Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Era uma vez...


Era uma vez, era uma vez uma barriga que mais parecia um balão, daqueles balões rechonchudos que nos dão vontade de apertar com as pontas dos dedos quase até estoirar, mas sem que estourem...Era uma vez, dois pés que mais pareciam duas bolinhas com uns palitinhos a espreitarem na ponta.... Era uma vez uma Mamã de um quase uma vez bebé...
Sem saber como fazer, empurrei mil e uma vezes a almofada para sentir se me ouviam...Até que, notei um rebuliço, parece que já tinham percebido! Mal sabia eu, que confusão aí vinha, por isso, vou deixar para outro dia, a história que vai do Era uma vez um quase bébé, para contar a história do Era uma vez o bébé, que sou eu, até porque, é uma bonita, mas cansativa história.
Bom dia! Cheguei, mas que grande balbúrdia....Não sei como faço...Cortaram-me a minha amiga fitinha e só me deixaram ficar um bocadinho agarrado ao buraquinho do meu balão...Parem de me enfiar coisas no nariz... Não quero água nos olhos! Que caras tão esquisitas a olharem para mim, e risadas absurdas bem ao fundo! Quero voltar ao aconchego da minha almofadinha e conversar com a minha fitinha, por isso, vou gritar bem alto! Mas, ninguém se comoveu com tanta gritaria e há que enfeitar-me com um traje todo catita, que às vezes picava-me aqui e acolá...Enfim, o ser um Era uma vez um bebé não é nada fácil....
Era uma vez a Mãe....aquela da barriga-balão e pés-bolinha, é linda e que bem cheira!
Cansada e de batinha azul meio-vestida, esperava-me derretida, como uma bola de gelado de amoras ao sol, sorrindo e com um olhar tão terno que nunca antes tinha visto, mas que tantas vezes senti, lá dentro do balão...
E, era uma vez o Pai... aquele senhor, que me falava muitas vezes ao ouvido para dentro do balão, cujas mãos quentinhas, como que aquecidas na lareira, me abraçou...
E, era uma vez, muitos rostos bizarros, que vinham e iam e faziam “brrs” com vozes de trompete desafinado....
E, por entre colos fininhos e colos mais gordos, até quase escangalhados como um bolo-rei, já quase estava habituado, até que um fatídico dia chegou: ir ao Doutor!
Que sitio tão estranho! Senhoras todas diferentes, todas mais ou menos torcidas a carregar um mundinho de bebé dentro de sacolas, mas todas orgulhosas a  amparar os seus principezinhos, porque afinal Eram todas uma vez uma Mãe. Foi aí que reparei que afinal nem todos eram principezinhos, já que neste sitio existiam uns principezinhos que se vestiam de princesas, talvez porque até o fossem. Porque usavam una pequenos trapinhos abertos em baixo, da cor das flores e outros, usavam umas coisas de encaixar as pernas, da cor do céu?
O príncipe que estava ao meu lado, naquela sala pincelada de amarelo, habituado aquelas andanças, já me tinha balbuciado que o senhor que estava sentado dentro da porta que se abrira, e que a Mãe, tanto gostava, tirava-nos os trajes de príncipes e princesas e tinha uma coisa muito fria para espreitar para dentro de nós. Que medo!
A antiga barriga de balão e pés de bolinha, levantou-se de rompante e espreitou para saber se podíamos entrar. Nem queria olhar para  aquele senhor, não fosse ele tentar-se a fazer o mesmo que fazia ao príncipe trajado cor-de-ervilha e de olhos esbugalhados que estava ao meu lado, daí que, resolvi olhar em redor. Parecia o meu reino lá de casa, pintalgado de bolinhas nas paredes, aparecendo aqui e acolá uns amiguinhos iguais aos que tinha no meu reino.
Não tinha conseguido escapar, ia ser mais uma vítima do Doutor, cujo rosto tinha tentado evitar! Tive mesmo que olhar para ele: parecia uma torre, mas sem ervinhas no topo, que talvez fossem aquelas que tinham fugido para debaixo do nariz e  quase caiam na boca; deitado à frente dos olhos tinha duas caixinhas transparentes que não me parecia que o deixassem espreitar cá para dentro; à volta do pescoço tinha uma fitinha tão parecida com a que me tinham tirado quando deixei de ser Era quase uma vez; e, umas mãos tremendamente grandes, quentes mas não o quente do aquecidas à lareira como o Era uma vez o Pai. Foi nesse momento que me lembrei que se gritasse bem alto, talvez escapasse à espreitadela.
Fez-me uma festinha na cabeça e parou bem lá no topo, para ver não sei bem o que. Continuou pela ponte que junta a cabeça ao sitio onde fica o “tum-tum”, que mais parece um relógio que corre quando fico feliz e que também fica preguiçoso quando vou dormir, e por aí abaixo. Até gostei dessa parte, mas não desisti de resistir à espreitadela, e nem por sombras baixei o volume do meu não à tortura do Doutor.
Mas quando a fitinha, que afinal não era nada parecida com a minha, se encostou, descobri que afinal tenho mais ervinhas pelo corpo todo, que logo se levantaram como que a gritar. Estava a tentar espreitar o “tum-tum” que nesse momento “tumtunzava” como poucas vezes, e depois foi espreitar com a fitinha feia o sitio onde nasce a comichão que dá a tosse. E, parou! Ao tirar a fitinha quase pensei que me tinha abandonado por ser o mais resistente dos príncipes, mas não, afinal o Doutor que parecia uma torre, não estava satisfeito. O meu balão foi amassado, talvez porque ele queria saber o que tinha comido nesse dia, sorriu ao ver que eu já tinha perdido a minha amiga fitinha e até descobri, que nele tocava uma música catita com os dedos.
Espreitou as mãos e os pés e aquelas coisinhas que são como conchinhas transparentes nas pontas. E, chegou o momento do tapa-cocos e chichis ser desapertado, pois eis que resolvi fazer uma habilidade, que sei fazer, mas não sei quem me ensinou. Ficou tudo quentinho, mas o Doutor continuou e  inspeccionou com cautela os meus furinhos mágicos.
Mais animado com tal proeza, e cansado de resistir, passei para uma nova caminha, mexerica como tudo, para onde os olhos curiosos do Doutor e da Mãe se deleitavam.
Depois veio um pau muito comprido, onde me encostaram tão esticadinho como uma vagem de feijão e uma régua mole que mais parecia uma cobrinha, que me colocaram na cabeça. Mal sabia eu que o pior estava para vir!
Um boneco-anão com luzinhas de Natal veio aqui espreitar, dos lados da cabeça, porque pelos vistos tenho aí uns furinhos, que ainda não sabia que os tinha. E, não contente, também queria comer, e pediu ajuda a uma bruxa magrinha, de sabor azedo, para vir espreitar o meu leitinho na boca, que  para sua desilusão, já lá não estava.
E, o Doutor fugiu...Tinha finalmente acabado e estava satisfeito com a espreitadela, porque a Mãe começou a pôr o príncipe com ar e traje de príncipe outra vez.
O doutor estava feliz com a espreitadela e gatafunhava no meu primeiro caderno, aquele que me tinham dado no sitio onde passei a ser Era uma vez um bébé. A Mãe aconchegava o príncipe, tão feliz com a espreitadela. E, o príncipe, que sou eu, estava feliz por ter culminado em bem aquela sessão de quase tortura do Doutor.
E, foi assim que descobri, que ir ao Doutor, como todos os outros príncipes e princesas, espreitar o “tum-tum”, descobrir que tenho mais ervinhas no meu corpo e até mostrar habilidades fantásticas, faz com que no meu Reino tudo fique feliz.
Acho que da próxima já não vou ter medo......


Um comentário:

  1. Muitos parabéns Sofia pelos seus textos tão sentidos e tão bonitos.
    Estou a adorar conhecer este blog e o seu mundo.
    Um beijinho e muitos parabéns pelo seu R. lindo*

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