Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O Dia de Todos os Rs

Dia Mundial das Doenças Raras.
Sinónimo de dia em que os senhores e senhoras do mundo com relógio espreitam o mundo dos príncipes e princesas sem tic-tac... 
Do lado de cá, onde os ponteiros do relógio são preguiçosos e não fazem tic-tac, salpicado com pincéis de aguarela, com cheiro a cupcake acabado de sair do forno e ao som de pingos de chuva, os príncipes e princesas indiferentes aos olhos curiosos, continuam a aprender a andar, a correr, a saltar, a falar, a ouvir, a ver...e, ouvem-se as mesmas risadas de sempre! 
E, o príncipe R., redondo e atarefado, hoje, como todos os outros dias, aprendeu mais um pedaço de vida e com um sorriso meio desdentado e puro, abriu as portas do seu reino e fez alguns senhores e senhoras aprendizes do que é ser feliz.

Como fala com as mãos e, por vezes, alguns senhores e senhoras desse outro lado do mundo não o percebem, o R. deu-me as chaves das portas transparentes do seu reino. Trémula, abri as portas do mundo do R. e de tantos outros pequenos Rs... Como existo muito do lado de cá, as minhas mãos também falam numa dança quase estonteante, mas apesar disso espero ter-vos levado numa viagem ao mundo em que o lema final é tão simplesmente ser feliz! 
E, assim sendo, Sejam bem-vindos nesta viagem!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Amores

Amor-perfeito com perfume de primavera; amor à primeira vista, algures numa rua de Paris, debaixo da nota de um violino; amor-cão feio, escuro e ensanguentado; amor para sempre das cartas antigas envergonhadas no livro de cabeceira, do bolo de noiva de açucar glacé, perdido; amor do primeiro namorado, carimbado para sempre, mas que nunca para sempre, recheado de juras, reluzente; amor da melhor amiga, que fala baixinho, que guarda reliquias, dos telefonemas de madrugada, intemporal; amor fugaz aquele que ilumina as férias de Verão, às riscas azuis e brancas de uma barraca de praia, que faz derreter uma bola de gelado de gengibre e limão; amor à distância que escorre por entre os dedos esticados sobre o asfalto; amor-bandido, feroz, cítrico e traiçoeiro; amor de amigos que ri à gargalhada, embriagado, nocturno; amor porque tem de ser, desconhecido, irracional, amor dos primos que nunca vemos; amor de Mãe que se desenha com tinta permanente, de suster a respiração, vestido de branco e com perfume a maresia, que faz vento na barriga, cheio de um tudo, cheio de medo, cheio de luz, cheio de alegria, cheio de paz, simples, cru e inato...é um amor não lapidado, que vem e que não vai, é um amor de sempre.

Ao amor de sempre, R.










domingo, 24 de fevereiro de 2013

Bichos

O príncipe R. tem medo dos bichos... É um medo curioso que se desenha nos olhitos arregalados, nas mãos saltitantes que escorregam velozmente para trás e que descreve com um trémulo tímido dos ombros rechonchudos. Não gosta do cabelo dos bichos, não gosta das danças traquinas, não gosta das vozes. Diz que não e foge e eu deixo-o ir...mas volta sempre, e percebe que depois de os deixar entrar no mundo sem relógio, os bichos ficam com ele, correm com ele e levam-no até onde ele quiser.
O cavalo foi o primeiro bicho que entrou no mundo do R.. De trote imponente, cabelo sedoso preto como o carvão, voz rouca como um velho, pareceu-lhe assustador e não o deixou entrar. E, assim foi, o cavalo não entrou. Mas, foi sempre vê-lo com a senhora cor de cevada de mão dada, até que um dia o dedo trémulo tocou no cabelo-carvão, esboçou um sorriso longo e ergueu-se no seu portentoso esplendor. E, nesse momento, deixou-o entrar a galope no mundo dos meninos sem relógio, e nunca mais o deixou sair.
A passo, a trote e a galope, o bicho levou o príncipe R., ensinou-o a voar, fê-lo sentir o vento fresco no rosto pequeno, aqueceu-lhe as mãos, libertou-o.
O cavalo, que o R. desenha majestosamente com a ponta do dedo como um círculo no ar, é o bicho que fez do R. um príncipe sem medo.
E, outros bichos virão, e não vão poder entrar de rompante, mas depois de entrarem ficam com o R. deste outro lado do mundo.

Bichos é um nome menos bonito dirão alguns. A mim, parece-me o mais correcto. É o nome de todos os seres que podem estar em ambos os mundos, no mundo dos meninos com relógio e sem relógio, porque não sabem o que é um relógio.

Bichos

Tulipas

Adoro tulipas de pé verde comprido... Fecham-se caladas as pétalas macias num abraço apertado, singelas como um cálice de cristal de outrora, espreitam e dançam muito devagarinho a tentar namorar os pingos de sol.
Adoro tulipas brancas como os vestidos das noivas, amarelas como o caril, pintadas de vermelho-fogo, de pé verde comprido salpicadas pelo brilho das gotas de chuva... 
Adoro a simplicidade de um bouquet de tulipas acabadas de colher ou  atadas despretensiosamente em papel de um jornal do mês passado, o perfume enebriante da terra com tinta de impressão, a desorganização encantadora a esboçar um momento.
Adoro os momentos das tulipas...os que acontecem na porta do mercado, inesperados e genuínos, simples, mudos e cor-de-rosa.

H., obrigado pelos momentos das tulipas, com e sem elas...


Em modo momento das tulipas

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Frio ( que faz por aqui)

Frio...
Detesto o vento frio que faz encrespar os pêlos dos braços, o medo frio que rodopia na barriga, tomar banho de água fria, caminhar com os pés no chão frio, farturas douradas frias de um qualquer arraial, lagartos de pele fria, cinzento-cru e frio, olhares desenfreados e frios, pingos de chuva agitada, furiosa e fria, o frio que se apodera do corpo depois de uma noite mal dormida, palavras compridas e frias, café desbotado e frio.
Detesto o frio que fica, que não se vai embora, o frio que não derrete com camisola felpuda de lã ou com uma chávena de chá de limão fumegante junto às labaredas enlouquecidas de uma lareira. Detesto o frio que está cá dentro....


Os sítios de termómetro avariado são imensos por aqui... Sinto-me uma gota de sangue escarlate quente e fervilhante a cair desamparada numa mesa de bloco operatório fria.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A escola do R. I

A escola do R. é uma escola de todos os príncipes e princesas igual a tantas outras escolas de muitos outros principes e princesas de todas as cores, de todos os trajes, de todos os mundos...
Às vezes, é cinzenta como as nuvens chorosas, comprida como uma lagarta, com tectos altos que repetem o bater frenético dos saltos altos da directora e cheira a sopa de legumes...Outras vezes, é alagada como um pântano lamacento, com mil e uma pegadas de todos os tamanhos e feitios... Mas, a maioria das vezes, é reluzente como as escamas de um peixe ao sol e tem uma voz quente de risadas e gritos de principes e princesas...
A escola do R. tem rainhas mágicas que erguem na mão um pau de giz e nos lábios melodias harmoniosas. Encantam os príncipes e princesas e com tesouras de retalhos, feitas de recortes de livros e pedaços de amor, podam-lhes a alma, seguram-lhes os lápis, soletram, somam e dividem.
O príncipe R. habita um reino governado por duas rainhas: uma singela e delicada como uma fada, com perfume de margaridas amarelas e cabelo da cor dos girassóis e a outra, com mãos de cetim que dançam nos papéis coloridos e mergulham destemidas em aquarelas. E, são essas rainhas mágicas que inventaram uma poção efervescente que faz com que o R. seja um príncipe igual a tantos outros príncipes e princesas deste mundo de todos os príncipes e princesas.

Esta é a primeira de muitas crónicas sobre o sítio e as pessoas- as rainhas mágicas- que  fazem o R. Estar e Ser um príncipe igual a tantos outros...

Para os interessados deixo a receita da poção mágica.
Ingredientes escritos no quadro de lousa: 500 g de amor, 350 g de sabedoria (dos livros), 350 g de sabedoria (da vida), 100 g de devoção, 100 g de dedicação, 50 g de amizade, uma pitada de olhares reprovadores e uma ou outra palmada na mão (às vezes, é preciso).
Técnica: Derrama-se um a um cada ingrediente num pote envelhecido e vai-se dissolvendo com um pau de giz numa dança circular. Aquece-se em lume brando com um sopro de alegria...
Autoria da poção mágica: Prof. Luisa, Prof. Manuela e Paula- Escola EB1/J1 Susão


A vida numa sacola

Virado ao contrário

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Vovó do R. I

Comprida como um fio de esparguete, pele cor de cevada, lábios vermelhos pomposos, cabelo encrespado como as ondas de um mar furioso, a vovó do R. tem uma voz sonante e articula as palavras num tom professoral que jamais se irá desvanecer.
Senhora do pau de giz a ranger no quadro de lousa, temida pelos olhitos arregalados que espreitam por detrás das carteiras alinhadas, é uma habitante quase residente do mundo dos príncipes e princesas sem relógio e a multiplicação é a sua operação favorita. Não o foi sempre...mas agora é!
Entrelaçou a mão corada pelo sol à mão preguiçosa do príncipe R. e, mais que ninguém, enfrentou  lado a lado, cada segundo, cada respiração, cada batimento. Enfrentou os senhores e senhoras de relógios quase parados como uma porta de ferro, ergueu o príncipe R. nos braços enormes até adormecerem, conteve a ânsia e o bater acelerado do coração à porta de cada consultório, cozinhou com pós de ouro a primeira sopa. Mais do que ninguém, mesmo mais do que eu, a vovó do R., quase sempre do outro lado do Mundo, multiplicou, multiplica e vai continuar a multiplicar. Afinal, é a sua operação preferida...

À vovó Helena Paupério, pelo amor tingido nos dedos sempre entrelaçados com os do R...




terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Branco

Adoro branco!
Branco simples e nu ou branco pintado de azul-céu, de verde-alecrim, de amarelo-limão, de rosa pálido... Adoro vestidos caiados de branco que dançam com o vento, adoro casas lavadas de branco, adoro açúcar branco, adoro arroz branco feito pela minha mãe, adoro nuvens tímidas brancas, adoro lençóis brancos acabados de esticar, adoro algodão doce, adoro areia branca inquieta, adoro toalhas felpudas brancas, adoro retratos a preto e branco, adoro suspiros, adoro príncipes e princesas trajados de branco, adoro berços brancos, adoro as asas brancas das borboletas...
Adoro pessoas de alma branca, não de um branco cru e simples, mas de um branco que se vai pintalgando de momentos, ideias, paixões, devaneios, dúvidas...

Esta crónica é subtil, simples, branca... Deixo-a para o R. o príncipe que sabe como ninguém pincelar de branco a alma das pessoas que o rodeiam.




R.,  alma trajada de branco em retrato a Preto&Branco








segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A hora do colo

Todas as mães têm um colo imenso, quente e recheado como um croissant da padaria da esquina, que sabe a gelado de amoras, que cheira a maresia...Todas as mães, por mais minusculas que sejam, têm umas mãos e uns braços enormes, que envolvem os pequenos príncipes e princesas de um amor infinito.
Senti-o hoje como espectadora, uma mera espectadora de uma cena quase teatral que iluminou de luz os meus olhos afogados em lágrimas (que a muito custo se contiveram e não cairam). Era apenas um colo genuino de uma mãe tamanho de ervilha que conteve na imensidão do  regaço abotoado a sua princesa de coração trapalhão. Quase sem que um suspiro tivesse tido tempo de acontecer, as pálpebras vaidosas da princesa pestanuda foram caindo, caindo e entregaram-se ao colo da mãe-ervilha.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Mãos que falam

As mãos do R. são balofas, mornas como o pão acabado de cozer, pesadas como o nevoeiro sobre o sopé das montanhas,  irrequietas dançarinas a gesticular uma voz que teima em não sair. 
As mãos do R.  desenham no vento círculos torcidos e riscos, encavalitam-se, os dedos abraçam-se e constroem um abecedário transparente de mil e uma letras e palavras... As mãos do R. dizem obrigado, dizem olá, dizem adeus, pedem desculpa. 
São as mãos aprendizes do R. que se abraçam a dizer que têm frio, que rebolam na barriga-balão a dizer que têm fome, que apontam os bichos, pintam as cores. 
Mas, o silêncio das mãos do R. é a voz mais genuína, inata, crua, a que não foi aprendida, a que vem do coração saltitante... E, esse silêncio desenha-o com as palmas mornas, vagarosas, a deslizar no meu rosto.

A linguagem gestual, tal como a linguagem do coração, é universal. O principe R. é um aprendiz dos gestos e um mestre na linguagem do coração. Eu, sou uma aprendiz de ambas...






Mãos que apontam os bichos



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A dança do R.

Existem príncipes e princesas deste lado mundo tão ou mais preguiçosos que o príncipe R., têm braços e pernas enferrujados, vagarosos, que rangem e teimam em não dançar a música que faz o mundo rodopiar. Rabugentos, os braços e pernas do pequeno príncipe R. de pele cor de ameixa, macia como o veludo e cheiro a pó de talco, aprenderam a gostar do arrepio mágico dos dedos delgados de umas senhoras que lhes tentavam ensinar a dançar. Era um arrepio assustador a que o seu corpo roliço se habituou e que foi evaporando com o tempo. Sempre que os príncipes e princesas rodopiavam numa correria à sua volta, o braço preguiçoso estendia-se, mão aberta como que à espera que essa dança veloz, tão simples para esses príncipes e princesas, também o levasse a ele...
Tento muitas vezes pensar como se fosse o príncipe R., sentado num chão de xadrez da salinha acolhedora da escola, e estender as mãos porque também queria dançar aquela música que fazia os meninos rodopiarem, elevarem os pés do chão e voarem como os anjos. Imagino como seria estar retido num corpito um tanto ou quanto enferrujado, como conseguia ter nos olhos um sorriso terno, recheado de vida... E, acho que não consigo fazê-lo...
E, as lições de todos os dias aconteciam, iam e vinham, os arrepios iam embora sem bilhete de volta, e os braços e pernas outrora sonolentos, aprendiam a dançar, a desenhar um voo baixinho, a fazer um vento morno nas bochechas rosadas como aquele que antes só sentia no rosto vindo do rodopiar dos outros meninos.
Um dia o pequeno R. vai rodopiar até ficar tão tonto como um pião, vai elevar os pés do chão até tocar com o dedo nas nuvens, vai sentir no rosto um vento fresco, sem cheiro, veloz de tanto correr...


A todas as mãos que outrora arrepiaram o R., que o fizeram e fazem aprender a dançar e a voar (ainda baixinho) num toque mágico de amor: Fisioterapeutas do UADIP-Porto e APPC-Porto e Terapeuta Irina.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Os senhores de relógios quase parados

Os senhores grandes de relógios quase parados são altos como torres ou minúsculos, usam uns vidrinhos transparentes em frente aos olhos, cantam palavras enormes e feias, escutam melodias agressivas de piano e sob a luz fosca de um candeeiro majestoso mergulham em livros de mil páginas... Derramam teorias científicas acabadas de publicar nas últimas folhas de um jornal de Oxford, num tom austero e despido de interrogações, envergam a realeza da bata alva que trazem vestida, sem nunca levantar os olhos da secretária envelhecida e das mãos frias que não se tocam. Vomitam um destino cruel, cego, vazio a um príncipe sem medo e a uma senhora-mãe que ainda com o peso de barriga-balão, cerra os lábios framboesa e acolhe a decisão como um eco sem fim. Imóvel, estático, gélido, em momento algum ergue os olhos dos papéis rabiscados de tinta permanente, estende a mão ou compõe o traje branco catedrático.
O relógio da parede cinzenta dita meio-dia...Um meio-dia em que ao pequeno R. na imensidão dos seus poucos dias de vida, um senhor de relógio quase parado lê a sentença de ser invisual. 
Muda, a senhora-mãe ergue o mundo às costas e o castigado R. nos braços trémulos e sai da escuridão vazia da sala minúscula, percorre corredores labirínticos até um porto de abrigo.
Os senhores grandes de relógios quase parados às vezes enganam-se, às vezes não...O R. olha o mundo a cores, diria até amarelo (a sua cor favorita, vá-se lá saber porquê), mas mesmo que o mundo não fosse colorido aos olhos do R., os seus olhos seriam sempre mais vivos do que os dos senhores grandes de relógios quase parados.


Os senhores grandes de relógios quase parados não precisaram de aprender a respirar, correr, falar, comer... mas precisam de aprender a Olhar para o outro lado do Mundo, onde existem príncipes e princesas sem relógio, para que lhes seja permitido discursar com sapiência.

R. a espreitar para o Mundo de cá...








segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O mundo sem relógio

R., pequeno príncipe de cabelos ondulados, face redonda com sorriso desenhado, passos desordenados, a decorar as palavras (ainda poucas) com as mãos pomposas para que os senhores grandes o entendam, imponente em todo o seu jeito especial de Ser criança. Carrega no corpo roliço o fardo de um nome sonante- polimicrogiria-, um nome que o destinou a ser um príncipe sem medo, que lhe roubou o relógio que quase todos os príncipes e princesas têm e que os fazem saber engolir o ar, que os fazem saber comer, que os fazem saber sentar, andar, correr, falar... Existem alguns príncipes e princesas a quem o relógio foi roubado e por isso esquecem-se de aprender certas coisas, e o R. é um príncipe sem relógio. 
Mas, deste outro lado do mundo em que o tic-tac é um som surdo, os príncipes e princesas também o são, também vivem e existem desse tal modo que defino muitas vezes com um jeito especial de o Ser.
E, o R. é... mesmo sem relógio, um poço de luz a derramar uma felicidade quase estonteante que faz com os relógios quase parados de muitos senhores grandes voltem a fazer tic-tac!

Para os senhores grandes de relógio quase parado, envio um sorriso de sempre do R.  

R.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A vida a cores

A vida pintada da cor do pôr-do-sol, com cheiro a framboesas e mirtilos acabados de colher, com sabor a chá de maçã e canela num bule da minha avó, macia como as nuvens...
O Ser Mãe, define-se assim, tal e qual, desde que a voz do pequeno coração ofegante se faz ouvir pela primeira vez, mesmo que por instantes (que às vezes são muitos, mas breves), os nossos olhos a vejam tingida de cinzento...

Albúm de Retratos de Mãe com um turbilhão permanente de incertezas, mas sempre a colorir o mais cinzento dos panoramas. Afinal, nunca gostei de vidas desbotadas. A pincelar a vida de cor....










30 semanas
37 semanas






38 semanas

O começo

No reino transparente dos príncipes e princesas


Com a amiguinha magricela que teimava em  não sair...
À espera de um qualquer malabarismo para fugir  do reino das senhoras mãos de fada






Vozes...

O primeiro sinal de vida é a voz do coração, um som desenfreado, apressado, fugidio. 
Segue-se uma ânsia de choro no momento derradeiro da passagem para o Mundo...é a voz mais desejada! Todos os ouvidos florescem atentos na ânsia que chegue logo: um choro viril, altivo, por vezes atrapalhado, um grito mágico, a voz de uma alma crua. 
Cada alma tem uma voz, aquela que sai para fora, que não se vê, não se palpa, não se cheira...mas que invade os ouvidos e por vezes nos enche a alma. 
São mil e uma vozes que conheço: fininhas como agulhas, roucas como um trovão, abafadas como um eco entre quatro paredes, vagarosas como as lesmas do jardim, vorazes como a água das cascatas, fervilhantes como a sopa nas panelas, despidas como o frio...
Confesso que apaixono-me por vozes, fico enraivecida com vozes, entristecem-me certas vozes e outras fazem-me repousar!


Há nesta melodia uma voz condensada de criança, que me eleva e me faz sonhar... Apaixonem-se!



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A vida a Preto&Branco


Não poderei dar-lhe o nome de crónica, é antes um álbum de retratos dos dias, minutos e segundos em que escrevo mais um pedaço de vida... Pretensiosismo? Talvez sim (muitos o dirão)...

Eis, a vida a Preto&Branco



O começo

A ir...
Respira
Pelas nuvens...
Momentos...

Motores da vida...


Bastidores I: das pessoas com sonhos nas pontas dos dedos e vida nas palmas das mãos

Bastidores II

Na ponta dos dedos....


O palco...
SRF




Paracetamol & Ibuprofeno...e um(a) Pediatra para a Mãe

Xaropes, estetoscópio, otoscópio, vinhetas, qual quê?, de nada adianta quando é o nosso príncipe que está com febre ou grita como se quisesse ser ouvido do outro lado do Mundo.
E o pensamento imediato é: vai à Pediatra, esquecendo-me da minha óbvia condição de cuidadora de mil e um príncipes e princesas. 
O meu príncipe doente é sinónimo de perda quase total de coerência e capacidades. Vejo a barriga dele como um balão quase a explodir; a pele fervilha nos seus míseros 38,5ºC, mas a minha mão sente-a como o calor de uma tarde num deserto africano; o corpito salpicado pelas "pintas" de sempre, parece-me um morango sumarento... E, por entre todos estes achados imaginários, o pequeno príncipe tem umas amígdalas cor escarlate, voluptuosas, imponentes.  
Enfim, perco toda a ciência desenhada dos livros e carimbada na minha cabeça. 
Concluindo, o príncipe de apetite voraz abrandou o seu grito desenfreado e a Mamã (Pediatra por sinal) foi à Pediatra.

Da próxima vez que alguém disser que sorte ter uma Pediatra em casa, faço um Hmmm...porque afinal a Mamã Pediatra, às vezes, é só Mamã. 


À Tia Marta que foi Pediatra da Mamã e do Rodrigo

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Mulheres


Há mulheres: com cabelos esparguete ou em novelo, tingidos de cor da palha ou da noite, umas com lábios pincelados de compota de morango, outras com lábios gretados do frio, umas com formas voluptuosas, outras singelas, umas com mãos de cetim mergulhado em óleo de maracujá, outras com mãos ásperas como a língua dos gatos.
Há mulheres: enamoradas, independentes, casadas, divorciadas, viúvas. Há mulheres: sozinhas ou acompanhadas.
Há mulheres: com clutch, com cestas de verga, com carteiras sofisticadas, com sacos de trapos.
Há mulheres: com sonhos, ideias e pensamentos nas pontas dos dedos, que fazem, constroem e rodopiam ao som do bater do relógio, outras com uma apatia generosa de viver, que ficam sentadas, que se moldam e definham.

Às mulheres de sonhos nas pontas dos dedos que conheço... (Abaixo, algumas mulheres cujas pontas dos dedos, se cruzam com as dos meus, no reino dos príncipes e princesas.)



CM & SRF (eu)


SRF (Eu) & MJO


MCG & RSS


EF & SRF (Eu)

MG, LT, SRF (Eu) & CAP

MG & SRF (Eu)

Sorrisos

Delicio-me a ouvir uma gargalhada destemida de criança, que exala mil e uma cores como um fogo de artifício, que cheira a terra quente quando chove... Derreto-me com os sorrisos escondidos e matreiros dos príncipes  e princesas que fogem pelos corredores inóspitos...
Mas, é o sorriso do olhar o mais genuíno, o que provoca arrepios na alma. São os olhos molhados que sorriem, as pálpebras que se encostam numa confusão de medo e uma ânsia imensa de viver. Nunca me esquecerei dos breves e puros sorrisos daquele príncipe na sua pequenez de anos de vida e no seu corpo contorcido, domado por uma senhora de nome austero (Osteogénese imperfecta).

Dedicado ao querido pequeno príncipe I. que no seu corpo de vidro e alma de Homem muitas vezes nos fez sorrir.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Invólucro de Pedra

Encontro-me agora como mera espectadora de um silêncio arrasador e ansioso de uma Mãe ao lado do leito do seu pequeno príncipe de respiração ofegante. Um rosto desenhado de olhos arregalados fixa-se no televisor colorido de linhas vermelhas, azuis e amarelas que desenham cada segundo daquele corpinho delgado. As mãos suadas a agarrar a cadeira, a perna trémula que bate ao som do pi-pi-pi, assentam numa sensação de inutilidade- que eu também já vivi.
Ao lado, um rosto impávido estende a mão para o príncipe, inerte, sentado, a viver no seu invólucro de pedra. Era preciso um olhar, era preciso um abraço, mesmo que mudo. Era preciso limpar as lágrimas que logo se despenharam dos olhos da Mãe, senhora de mãos suadas e perna trémula, quando lhe pousei a mão no ombro. E, era só preciso uma mão no ombro.
Detesto, detesto homens, senhores ou, diria até, meninos com rostos de pedra, que escondem a dor-inocentemente, acredito que a sintam- e enclausuram o espírito de mãos fechadas.


De modo algum, esta crónica é uma representação de feminismo. Apenas e só, reflecte o que vi, senti e sinto e vejo repetidamente, sobretudo no reino onde os príncipes e princesas, nascem, respiram e o são de outra forma: uma forma mais especial de o Ser. 



Deep breath

Respirar, é um acto fisiológico que nos permite oxigenar as células e remover o dióxido de carbono do organismo- esta é uma definição simples e básica da Medicina e da Ciência.
Mas, respirar fundo, é um acto mais que fisiólógico, pode ser uma lavagem da alma, uma tentativa de limpeza de tormentas e angústias, um grito silencioso ou pode ser um eco de felicidade, uma risada do coração. É imperativo engolir todo o ar que nos envolve como se se fosse esgotar num minuto próximo, condensá-lo até às entranhas, e num exalar silencioso deixá-lo fugir. Se tivesse luz podia ser amarelo-limão, negro-corvo ou até mesmo cor de nuvem. Se tivesse música podia ser um canto lírico, uma ópera severa ou umm chill-out de fim de tarde de Verão. Se tivesse movimento podia ser um agressivo tango argentino, um ballet ternurento ou um fado saudoso. Mas, respirar fundo, é apenas e só um acto fisológico, sem luz, sem música e sem movimento. 
Mas mesmo sendo totalmente desprovido de tudo o que lhe daria encanto, há dias em que respirar se traduz em vários respirares fundos, porque só o oxigenar as células e remover o dióxido de carbono, não me fazem viver.
Melancolicamente, sugiro: Parem e respirem fundo!