Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


domingo, 24 de fevereiro de 2013

Bichos

O príncipe R. tem medo dos bichos... É um medo curioso que se desenha nos olhitos arregalados, nas mãos saltitantes que escorregam velozmente para trás e que descreve com um trémulo tímido dos ombros rechonchudos. Não gosta do cabelo dos bichos, não gosta das danças traquinas, não gosta das vozes. Diz que não e foge e eu deixo-o ir...mas volta sempre, e percebe que depois de os deixar entrar no mundo sem relógio, os bichos ficam com ele, correm com ele e levam-no até onde ele quiser.
O cavalo foi o primeiro bicho que entrou no mundo do R.. De trote imponente, cabelo sedoso preto como o carvão, voz rouca como um velho, pareceu-lhe assustador e não o deixou entrar. E, assim foi, o cavalo não entrou. Mas, foi sempre vê-lo com a senhora cor de cevada de mão dada, até que um dia o dedo trémulo tocou no cabelo-carvão, esboçou um sorriso longo e ergueu-se no seu portentoso esplendor. E, nesse momento, deixou-o entrar a galope no mundo dos meninos sem relógio, e nunca mais o deixou sair.
A passo, a trote e a galope, o bicho levou o príncipe R., ensinou-o a voar, fê-lo sentir o vento fresco no rosto pequeno, aqueceu-lhe as mãos, libertou-o.
O cavalo, que o R. desenha majestosamente com a ponta do dedo como um círculo no ar, é o bicho que fez do R. um príncipe sem medo.
E, outros bichos virão, e não vão poder entrar de rompante, mas depois de entrarem ficam com o R. deste outro lado do mundo.

Bichos é um nome menos bonito dirão alguns. A mim, parece-me o mais correcto. É o nome de todos os seres que podem estar em ambos os mundos, no mundo dos meninos com relógio e sem relógio, porque não sabem o que é um relógio.

Bichos

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