Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


terça-feira, 30 de abril de 2013

Amigos

Devoro à colher uma meloa sumarenta com perfume a verde, embalo a alma em música solta, breve e recheio o pensamento com os.. amigos!
amigos de ocasião que nos chegam os papéis para não nos levantarmos. Há amigos invisíveis que escutam do lado de lá, que nos lêem, que tem vidas longe das nossas. amigos do liceu, com nomes e apelidos que não se esquecem, das festas de finalistas, dos beijos escondidos atrás do ginásio, dos devaneios e dos telefonemas de horas a fio. Há amigos dos copos, bonitos, musculados, que sabem trautear as músicas da moda e passam as filas de gente brilhante à porta dos bares. Há amigos da faculdade que perdemos pelo caminho, que passam nos corredores, que ficam pelo Olá envergonhado. Há amigos coloridos, que salpicam a vida de cerejas e malmequeres, que arrancam sorrisos e oferecem abraços. Há amigos das férias de Verão, que dedilham as guitarras na areia fria  da praia deitada sob uma lua imensa, que escrevem cartas apaixonadas e voam com o chegar do Inverno. Há amigos dos amigos, que se juntam nas tainadas, que são olhados de soslaio, mas que ficam. Há amigos imprevisíveis, nascidos do mais improvável, que se detestam sem se conhecer, que se afastam, que não se gostam, mas que se amam com um abraço confuso em que se fundem as almas. Há amigos de sempre que se desgastam sem nunca acabar. Há amigos dos filhos, que devoram gomas nas festas, ensinam jogos e  por entre mãos bailarinas e palavras atropeladas ensinam-no a crescer.Há amigos que moram em nós, que respiram, dão as mãos, acabam o nosso chá e choram ao nosso lado. Há o melhor amigo, o que conhecemos de cor e salteado, o que tem mil defeitos, mil rugas no coração, o que se ama incondicionalmente...


Aos Amigos que moram em mim...Ao melhor amigo...

MJs, M & S

H, R & M

M & S



MJ, S & MJ


S & R & os amigos do R

M, S, J & V

S, M & M
S & A

Green team


R & modo invisível da S

domingo, 28 de abril de 2013

Colheradas de Pediatria

Xarope de cenoura, leite morno beijado com mel, canja de panela de avó, ovo enamorado com açucar, paninhos banhados em chá preto das Arábias, aletria magrinha em pratos de loiça antiga, água baça de cozer o arroz. São as receitas de colher de pau escritas no livro de mezinhas das avós, desenhadas caprichosamente numa letra de aprendiz e escondidas atrás da sabedoria intocável dos livros da estante de casa. Mas, uso e abuso de cada pitada de mezinhas e cozinho-as com os xaropes da farmácia.
Porque me pedem, porque pingam interrogações e dúvidas envergonhadas  e porque os Príncipes e Princesas de hoje não têm tempo para ficar doentes... nascem as Colheradas de Pediatria.
São as crónicas das dúvidas angustiantes dos Pais, das que vêm escritas num post-it e das que não são perguntadas. São as respostas ao: O que é?, Como faço?, Porquê?. São as dicas simples escritas de bata e avental florido.


A pedido de muitos anuncio o nascimento do Colheradas de Pediatria para devorar colher a colher...
Aceitam-se sugestões para a ementa... Risos!

Colheradas de Pediatria:


 
 
 

Hino

Aos braços que ergueram as pedras do caminho. Às vozes que soaram a teoria dos livros. Aos cafés que se engoliram e aos que ficaram nas chávenas por beber. Aos ouvidos que escutaram e aos que ficaram surdos. Aos recantos onde mágoas se deixaram cair. Às paredes que foram confidentes de risadas. Às raras mãos que aplaudiram quase sempre escondidas. Aos pneus que envelheceram pelo asfalto. Aos olhares dissimulados. Às almofadas magricelas que abraçaram a fadiga. Aos livros de bolso desgastados. Às canetas de tinta ressequida. Às sapatilhas coloridas. Às risadas, aos abraços, às taquicardias, às libelinhas que dançavam na barriga com o toque estridente do telefone, às adrenalinas preparadas em segundos, às caras feias dos que estavam, às horas intermináveis.... 
O que fica? A teoria que não vem nos livros, o espírito, a conquista, o orgulho...e os braços que ergueram as pedras do caminho, braços compridos, escanzelados, pálidos, incansavelmente erguidos. Sou eu. É o R. É a M. É o M. É a MJ. Somos Nós e isso nunca o perderemos...

Ao TIP Norte....

TIP Norte


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Liberdade

Liberdade é estender os braços e voar. Liberdade é espirrar alto. Liberdade é não usar bata no consultório. Liberdade é um pacote de bolachas bronzeadas que se devoram num segundo. Liberdade é uma palavra feia que se envergonha, cai dos lábios e limpa a alma. Liberdade é um grito por entre as árvores. Liberdade é uma pegada leve na areia molhada. Liberdade é beijar um estranho que chora. Liberdade é rir. Liberdade é suspirar no silêncio amorfo das aulas de Anatomia. Liberdade é entrelaçar as mãos dos mestres. Liberdade é uma alma nua, inodora, branca e feliz...
 
Se sou livre?, às vezes... E, sou-o muito mais do outro lado do mundo, no reino dos príncipes e princesas iguais ao R. A porta que se ergue entre os mundos deixa passar um fio de risadas tontas, brancas, despropositadas e livres. São estas as risadas dos meninos que voam sem asas e abraçam os que espreitam para o reino numa dança louca de ser livre...
 

terça-feira, 23 de abril de 2013

O regresso do R.

O regresso à escola do R., escola de todos os príncipes e princesas igual a tantas outras escolas de muitos outros príncipes e princesas de todas as cores, de todos os trajes, de todos os mundos, foi hoje.
O senhor de bata branca decretou ontem que os olhos novos do menino ovo-estrelado (cognome dado pelo senhor de bata branca ao R. e às suas camisolas amarelas que são as favoritas em dia de consulta) estavam preparados para regressar à escola. E, o R. de olhos novos, a exibir uma volumosa barriga-balão quase a parecer que engoliu uma melancia inteira com casca e tudo, rosto de bolacha, soltou uma gargalhada com perfume a vida.
Com a vovó cor de cevada, pendurou-se o babeiro de sempre na porta de entrada, ordenou-se a mochila e ensaiou-se a escolha do lanche. Saltaram dos lábios cor de cereja os nomes de todos os meninos da sala de aulas como que nas mãos tivesse um retrato alinhado de escola.
A noite deitou-se cedo quase que na ânsia que o sol viesse logo e o regresso chegasse.
Foi por retrato que chegou a mim. Retrato distorcido pela alegria de um R. barriga de balão a pontapear o babeiro arrebitado. Retrato de um R. que agora vê a escola com outras cores...


Lista rabiscada na memória: babeiro, chapéu, óculos de sol, merenda-jamais as escolhas de primeira linha-, face e mãos ponteadas de creme protector, sapatilhas, mochila, sebenta...Sorriso no rosto, pressa nos pés, alegria em redor...Regresso à escola!


sexta-feira, 19 de abril de 2013

A crónica do manual do sol: respostas às perguntas de algibeira


A crónica do manual do sol nasce das respostas às dúvidas dos Pais do Consultório... Às vezes perguntas envergonhadas, às vezes alertas vermelhos...
Qual o protector solar mais indicado?
Usar protector solar 50 + todos os dias nas áreas corporais expostas ao sol mesmo que seja só para ir à escola. E, colocar várias vezes por dia. 
Podemos ir à praia?
A praia é quase obrigatória, mas deve-se evitar a exposição solar das 11 às 16 horas, mesmo que esteja debaixo do guarda-sol.
O que devem vestir para o sol?
Usar chapéu às riscas, às pintas, de qualquer cor.
Usar calçado confortável e arejado.
Usar roupas leves e de algodão.
Usar óculos de sol. Esta questão nunca surge, mas quando digo para comprar óculos de sol para os príncipes e princesas, os pais esboçam de imediato um sorriso...
Há cuidados especiais?
Jamais deixar os príncipes e princesas dentro dos carros mesmo com os vidros abertos.
Tomar banho diário.
Beber muita água mesmo que não apeteça muito.
E acabo as discussões simples com as dicas de ocasião...
Pode aproveitar para o famoso treino do pote. Ensinar que o lixo da praia se coloca nos contentores. Ensinar as cores das bandeiras das praias. Ensinar a andar de bicicleta mas com todos os acessórios a que têm direito. Aprender a nadar. Ensinar o nome completo e um número de telefone ou a morada. Estabelecer regras. 
E, se for viajar, deve aconselhar-se com o Pediatra acerca dos cuidados especiais, vacinas, alimentação, repelente de insectos.
Outras dicas que não podem ficar por terra: dançar com a música dos arraiais, deixar pegadas na areia molhada, estender a toalha de xadrez vermelho e branco aos piqueniques, correr com o cão por entre as árvores, inspirar sol limpo e fresco,  colher flores, apanhar conchas e construir castelos.
Molde com os raios de sol uma verdadeira escola de verão... porque de pequenino é que se torce o pepino..

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Simplesmente Chefe

Ser Maestro não é só exibir a batuta dançarina, é fazê-la dançar com o dedilhar da arpa, o sopro do saxofone, o balançar do piano.
Ser Comandante é arregaçar as mangas, deitar às ondas o cachimbo e agarrar o leme.
Ser Mestre é deleitar o que se aprendeu e receber de braços abertos o que os outros aprenderam.
Ser Chefe é deixar a porta do gabinete entreaberta, é assinar por baixo, é ter ouvidos que deixam entrar as palavras, mãos que dão açoites, mas que também sabem dar palmadas nas costas, é carimbar o coração de cada um dos não-chefes com um amor que se sente, só às vezes, pelos Chefes.

Há instantes, senti o que é um verdadeiro Chefe, um verdadeiro Maestro, um verdadeiro Mestre. Li-o nos muitos olhos do piso de baixo, pintados de um amor raro, um amor que sente pelos Chefes que o são genuinamente...

Médicos versus pilotos: a controvérsia

Comparar o que não é comparável. Médicos versus Pilotos. Alguns médicos versus alguns pilotos. Não poderia deixar de o fazer depois de ver algumas barbaridades escritas por quem  partilha ambas as realidades.
Médicos versus Pilotos
 
Os médicos sentam-se de frente para os pacientes, (alguns) olham-nos nos olhos, dão apertos de mão e abraçam-nos. Os pilotos sentam-se à frente dos passageiros e passeiam-se pelas filas de gente colorida rumo às férias num passo apressado, quase diria impetuoso, e sem desviar o olhar.
Os médicos trabalham horas e horas a fio e não lhes é permitido as ditas folgas que são de direito. Os pilotos tem descanso obrigatório.
Os médicos ficam mais horas a trabalhar de borla, almoçam na cantina do hospital ou nas máquinas calóricas do corredor. Os pilotos acima de um céu imenso deliciam um almoço de executiva ou primeira classe trazido pela tripulante elegante.
Os médicos não têm datas, horas e as férias não são grátis. Os pilotos ficam uma semana com tudo incluído nas praias das Caraíbas após um turno de doze horas.
Os médicos não têm tempo para estudar todos os casos antes das consultas, simplesmente porque o estudo não se faz em duas horas. Os pilotos traçam as rotas e estudam-nas duas horas antes do voo, o que me dá uma tranquilidade confortável.
Os médicos não revalidam a licença a cada seis meses, é verdade, simplesmente porque cada dia, cada doente é uma revalidação dos conhecimentos que foram adquiridos desde a escola primária. Os pilotos revalidam muitas vezes com encargos financeiros. Se é justo?, não é... 
Os médicos usam batas que lhes cedem no hospital, muitas vezes suturadas, já com ar desbotado e sujam-nas de sangue ou de tinta das canetas que ficam sem tampas nos bolsos. A barba feita ou uma bata pouco limpa não me parece interferir com as competências. É puramente aparência... Os pilotos usam fardas cuidadas que vestem duas vezes por semana (o que dá tempo de ir à lavandaria). E, já vi pilotos de barba por fazer, pilotos feios e barrigudos e a aparência não me fez ficar assustada ao embarcar nesse voo.
E, não vou tecer comentários quanto à remuneração e a intocabilidade da profissão de piloto que considero muito digna.

Escrevo as palavras acima enquanto médica que pilota a vida nas mãos...mas uma de cada vez...e, não o trocaria de modo algum... Porque sei a realidade dos pilotos...
 
 
 

terça-feira, 16 de abril de 2013

A minha praia

Cheira a praia... Perfume das manhãs antigas, em que descíamos as ruas cobiçadas pelo sol ainda fresco, de mãos dadas com a mãe. Descíamos contra o vento que soprava as pestanas e parávamos na mercearia antiga do gato atrevido à porta para comprar pão fresco de fazer crescer água na boca. E seguíamos. Pintava-se uma praia às riscas azul, branca e amarela, silenciosa e com sabor a batatas fritas retorcidas e salgadas fechadas num pacote de papel pobre do senhor moreno barulhento. Era uma praia antiga de um sol morno antigo. Os pães partidos da mercearia enchiam-se de fiambre e eram devorados em segundos para não se perderem as brincadeiras. Os castelos de areia iam e vinham com as ondas do mar e as páginas dos livros viravam numa maratona alucinante. É um retrato antigo da praia das senhoras de avental largo com mãos prateadas das escamas das sardinhas pequeninas que se comiam com espinha. É o retrato da minha praia... E, hoje cheirou-me a praia...Finalmente!


Praia de Matosinhos, retrato da minha praia

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Os palcos

Os olhos que se despistam, os abraços apaixonados, os sorrisos que nascem, os gestos que se apagam, os mimos que correm, os chinelos que encaixam nos pés, as bolachas de chocolate que espreitam nas gavetas, as mazelas escondidas. Somos tudo isso e muito mais...Eu e o R., somos actores de um palco qualquer num momento qualquer...
No palco do sofá, o R. é o Vovô T. de voz grossa arrastada, que gentilmente pede os chinelos e eu sou a Vovó P., que com um sorriso nos lábios faz repousar a manta morna sob as pernas de ambos apaixonadamente juntas. Pedem um chá fumegante de todas as noites. Ouve-se a música pingada do chá a deslizar nas chávenas transparentes... A Vovó P. (eu) ergue o braço e o Vovô T. ( R.) eleva a voz grossa arrastada e pinta um olhar de reprovação. A Vovó P. de verdade nunca o poderia fazer porque tem braços frágeis como os pés das flores bebés, que uma vez partiram com o sopro do vento e a fita-cola do hospital não cola braços frágeis como os pés das flores bebés. A Vovó P. (eu) deixou cair os braços partidos e o Vovô T. (R.) ofereceu-lhe, com as suas mãos compridas e pintalgadas de lápis de cor, um chá terno e delicioso nos lábios... Acaba assim a história em que me esqueci de vestir a Vovó P. tal e qual ela é. Acaba assim a história em que o R. pintou o amor que vê em cada momento daquele sofá e que eu nunca tinha visto....


Todos os que nos rodeiam são fotocopiados em instantes que me despertam...O R., tal como os príncipes-meninos, olha os outros com os olhos e com a alma e isso fá-lo ver mais e mais...

R. e a reanimação






É um jogo fácil... Mãos a postos. Engolir ar. Música a definir o ritmo: 15 para 2...

O desafio do R., pequeno instrutor de reanimação pediátrica, é ensinar todos os príncipes e princesas da escola...
Por isso, senhores e senhoras de muitos minutos de vida, aprendam. Pode salvar uma vida!

terça-feira, 9 de abril de 2013

Chocolate & o roubo do R.

Amo chocolate... Chocolate moreno derretido em banho-maria que cola a colher de pau e pinta os dedos. Chocolate elegante vestido de dourado das lojas gourmet. Chocolate magrinho que se parte com um suspiro e derrama creme cor-de-rosa morango. Chocolate confidente dos fins de tarde de chuva em que o namorado se foi embora. Chocolate fervilhante a beijar um crepe numa esplanada de Paris. Chocolate que faz borbulhas e dá comichão. Chocolate casado com amêndoas partidas. Chocolate com pimenta que faz picar a língua. Chocolate que mima uma chávena de café. Fondue de chocolate e amoras liláses. Chocolate das enormes tigelas de barro na Noite de Natal na casa da avó. Velas com perfume a chocolate. Chocolate que faz doer a barriga. Chocolate que adoça a alma. Chocolate que cai na língua num abre-a-boca-e-fecha-os-olhos. Chocolate sábio das horas de livros intermináveis. Chocolate que pinta os lábios. Chocolate roubado da gaveta à socapa.
Amo chocolate...
 
Eu amo chocolate, a Vóvó lábios de morango venera chocolate....e o R. é tão amante de chocolate que  passou de príncipe-libelinha a príncipe-menino assaltante de ovos de chocolate... Com um ar ingénuo e olhitos meigos, exibiu o seu grande feito só quando já não havia maneira de voltar atrás. Ovo de chocolate no bolso escondido, mercearia roubada, ar ingénuo de olhos meigos, longe da mercearia, um "não se faz", chocolate derretido nos lábios, pingas de chocolate no casaco, carro minúsculo de recheio. Conclusão: Assalto bem sucedido!... Que vergonha! 
Denote-se que quando lá voltar vai pagar com tostões, o ovo de chocolate e pedir um desculpa do R..
 
R., o pequeno assaltante

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Príncipe-menino

Os óculos desajeitados e trapalhões foram embora...e, o príncipe-libelinha transformou-se num príncipe-menino! Palavras soltas, para quê?
Deixo antes o retrato do príncipe-menino a namorar um espelho qualquer de lábios cor de melancia sumarenta que escrevem um sorriso despretensioso.

domingo, 7 de abril de 2013

Gota a Gota

Gota que cai desamparada, gota que entra, gota que sai, gota que faz arder, gota que dá vontade de chorar, gota hora após hora, gota que arrasta consigo um n-ã-o redondo, gota com um nome esquisito...mil e uma gotas...E, gota-ante-gota, num toque de magia, pinta-se de castanho cor de grão-de-café os olhos enevoados de outrora. Sim, a cada bater do ponteiro do relógio, a saga perpetua-se e uma história é escrita em palavras que encantam, mas não convencem. Eis, a história das gotas:  as gotas são poções mágicas que fazem os príncipes-libelinhas transformarem-se em príncipes-meninos vencedores de troféus amarelos à sua escolha... A cada bater do relógio as libelinhas têm de deixar entrar a poção mágica que pica como as malaguetas vermelhas e só os príncipes-libelinhas mais destemidos o conseguem...O olhos arregalados do R., pintados de castanho cor de grão-de-café, reluzem de entusiasmo, na ânsia desenfreada de ser um príncipe-menino vencedor, mas quando os frascos inertes se alinham como um exército, o príncipe-libelinha R. do mundo de cá, quer voar e fugir para longe...

Quase parece irónico esta saga das gotas...Mas, casa de ferreiro, espeto de pau...Sinto-me tão pouco Pediatra, mas tão Mãe com o príncipe-libelinha...

A libelinha orgulhosa

Minutos preguiçosos empurravam os ponteiros do relógio do corredor agitado. Conversas vãs com uns e outros que vinham e iam. Espreitadelas por entre as vidraças da porta prateada e fria. A aterragem foi apneica e taquicárdica. Mas, a viagem do R. terminara à hora prevista...
Caído nos braços um corpito robusto embrulhado numa manta com perfume a salada de maracujá que teimava em não espreitar nos óculos trapalhões. Um turbilhão de pensamentos e magicada a história: o R. será o primeiro, o vencedor do prémio dos óculos mágicos, um prémio à escolha se deixar os óculos colados no rosto até segunda-feira...
Os olhos molhados, embebidos numa compota transparente, pestanejaram e olharam a parede azul-céu, com um espanto de fazer gargalhar o coração... E, logo as mãos fortes repuxaram os óculos. Mas, pintei a história dos óculos mágicos e a ânsia dos dias que se desenrolam é o prémio de amanhã. 
O prémio? Com o seu ar de libelinha orgulhosa, desenhado pelos óculos mágicos desajeitadamente colados nas bochechas e dedo esticado no ar, diz: cuecas amarelas... A cor favorita do R. continua a ser o amarelo...

A todas as mãos que entrelaçaram as nossas nesta viagem do R.... 
E, às que varreram o nevoeiro dos olhos do R....
Obrigado pela vida a cores!


A libelinha orgulhosa



quinta-feira, 4 de abril de 2013

O bilhete

O bilhete da viagem do R. foi emitido pelo senhor cordial de traje branco, entregue num aperto de mão e guardado por entre os medos.

Hora de embarque: 8 da manhã.
Porta de embarque: porta prateada alta e fresca.
Origem: Terra de nevoeiro atroz, de sombras desbotadas e vidas pouco mais do que brancas.
Destino: Terra de um sol amarelo verdadeiro, sorridente, terra dançarina e colorida. Terra de vozes com rosto e de linhas pintadas com régua, perfeitas, geometricamente desenhadas. Terra azul, branca, amarela, verde...Terra das maças redondas e das árvores elegantes a beliscar as nuvens. 
Passageiro: R. e as mãos que sempre o agarram num colo com perfume de algas.

Estamos prontos a descolar... E, à chegada, iremos retratar a vida a cores e enviaremos num envelope de palavras... Até já!


R. e os últimos momentos enevoados




terça-feira, 2 de abril de 2013

Silêncio...

Rompe no silêncio...E, acalma, aquece a alma, fecham-se os olhos, inspiram-se as gargalhadas e expiram-se os medos...Constroem-se os caminhos...
E, é só...

Caminhos sem fim à vista...




http://www.youtube.com/watch?v=f5BshtpF4mY&feature=share&list=PLAE6D0A0046578449

A viagem do R.

Em contagem decrescente para a viagem do R.. Uma viagem fugaz, precisa, científica, montado num bisturi conduzido pelas mãos hábeis dos senhores das batas brancas. Decretado o dia de hoje como o dia para escolher a farda do R. para a viagem ser mais confortável. Aponta um pijama amarelo, com botões redondos alinhados,  perfume a alecrim, que beija a pele como os lábios de uma flor. 
O R. não sabe que viagem é esta...e, até sorri por saber que vai ao hospital onde a Mamã dá remedinho aos meninos pequeninos... É tão bom uma alma crua, um pensamento do desconhecido, embarcar numa viagem às nuvens...Quem me dera não saber nada de nada... 
Cá vamos nós: 10,9,8,7,6.....5,4,3,2,1....

A pureza do pensamento e o vazio do desconhecido tornam as coisas mais simples. É, nestes momentos, que preferia não saber nada de nada... Angustia-me!
Levamos na mala da viagem enevoada dos bisturis e luzes brilhantes, um pijama amarelo, sorrisos e vontade de que os ponteiros do relógio galopem sem parar....
Embarcamos de mãos dadas...com o R.
R. e Mamã



segunda-feira, 1 de abril de 2013

TIP Norte, parabéns!

Hoje é o dia... quase a parecer mentira, é o dia de anos do Transporte Interhospitalar Pediátrico do Norte! Esta crónica é a nossa...
1 de Abril de 2011, 20h30min: Ouve-se um som estridente que ecoa no bolso da farda branca. As mãos suadas atrapalham-se para atender. Silêncio ensurdecedor... Do lado de lá, uma voz de senhora antiga, diz em tom sabedor: recém-nascido,  poucas horas de vida, taquipneia, vaga na Maternidade. As mãos trémulas desligam. Sorriso nos rostos, vontade que impera, teoria dos livros que brota, ânsia que se abraça e coração que galopa... Incubadora morna, sacos enormes que empurram os ombros e arrancamos para o desconhecido. As sirenes misturam-se com a juventude de duas médicas, a sabedoria da enfermeira e a velocidade cuidadosa do acelerador do TAE. A caminho... Do outro lado, uma senhora de rosto cuidado, mãos compridas e semblante incrédulo debita a ficha clínica do pequeno príncipe para os olhos atentos e apontamentos são rabiscados num bloco com perfume a novo. Inaugurava-se o Transporte Interhospitalar Pediátrico do Norte...
Quilómetros intermináveis, barrigas vazias, vidas gastas e quase desgastadas, mil e uma crónicas para contar... Os jovens médicos de outrora são agora sobreviventes com risquinhas na testa e com cada vez mais raras borboletas na barriga, os enfermeiros preparam os remédios mágicos num suspiro e voam por entre espaços  inacreditáveis, os TAEs embalam nas mãos a estrada com vidros abertos às 5 da manhã pelo asfalto escuro lambido pelos pingos da chuva teimosa. 
Somos fortes e destemidos... Somos TIP Norte, cada vez mais e melhor!

Ao Transporte Interhospitalar Pediátrico do Norte: Maria João Baptista, Marta Grilo, Miguel Fonte, Ricardo Bianchi, Sofia Ribeiro Fernandes (eu), Américo Gonçalves, Edite Gonçalves, Rúben Rocha, Lígia Peralta, Céu Mota, Beatriz Beltrame, Juan Calvino, Enf. Paula Santos e todos os enfermeiros, TAE Miguel Ângelo Santos e todos os TAEs.