Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Incentivo à Natalidade...o que é isso?

Incentivo à Natalidade. Muito se fala e se escreve sobre isso. Opiniões de pessoas importantes, muitas delas que até nem têm filhos.
Sou de uma geração de mulheres que trabalham e também são Mães. Sou de uma geração de mulheres que quiseram ser Médicas e também quiseram ser Mães. Pois bem, se já era complicado, trabalhar e ser Mãe, muito mais ficou agora que esta trabalhadora também é Médica. Ser Mãe-Médica é quase uma anormalidade...ou às vezes, parece.
"Atestado de gravidez de risco?!!! Agora, todas fazem isso... Gravidez não é doença e todas se lembram de colocar atestado para não trabalhar.
Quem vai fazer as noites? É por isso que se preferem os Médicos(-machos), sem ofensa. Não dão estes incómodos...
Horário de amamentação? Mas ainda estão a amamentar? Modernices...
Falta por doença do filho? Impossível... Está escalada para aquele turno e não há mais ninguém para o fazer. Não pode por atestado."
É isto que acontece. Tal e qual. Sob a Teoria do "há mais quem faça o seu trabalho", a Mãe-Médica quase que renega aos seus direitos agora tão falados e quase aplaudidos. É-lhe apontado o dedo sempre que alguém tem que substituir a Mãe-Médica cujo filho ficou doente ou que pôs atestado por gravidez de alto-risco...
Detesto esta hipocrisia pública de pessoas importantes falarem de incentivo à Natalidade, quando aqueles que tratam das crianças e dos Pais são os primeiros a decapitá-la.




Socorro, a escola começou...

Começou a escola e com ela, começaram as diarreias, as tosses, as dores de barriga, os vómitos, etc, etc, etc.
Vou falar-vos da tosse.
A tosse pode ter várias caras: a tosse seca, a tosse que "faz gatinhos", a tosse que faz "borbulhar o peito", a tosse de cão, a tosse imparável, a tosse que não dorme e chega à noite. Todas as tosses são horríveis e o que mais os Pais pedem é que se dê qualquer coisa para parar a tosse. Pois bem, meus caros, a tosse é um mecanismo de defesa do organismo a uma agressão externa. Podem ser infecções, alergias, corpos estranhos, refluxo, e muitas outras causas. Na maioria dos casos, a tosse é uma consequência de uma infecção vírica e estamos na época delas. Por isso, bem-vinda tosse!
Eis, uma lista de truques rápidos para lidar com a tosse:
- O melhor xarope da tosse é a água, por isso, beber água abundantemente pode e vai ajudar a tornar as secreções mais fluidas. 
- Limpar muito bem o nariz com soro fisiológico ou com água do mar, com ou sem necessidade de aspiração de secreções. É fundamental num pequeno lactente, a rotina de limpar o nariz com soro fisiológico todos os dias, porque os bebés só respiram pelo nariz e este não pode estar tapado. 
- Elevar a cabeceira da cama para que a criança não fique totalmente deitada. 
- Evitar ambientes poluídos. 
- Esquecer as mezinhas antigas dos vapores com água a ferver na panela. Altamente proibido pelo risco de queimaduras associado e pelo agravamento que pode causar, sobretudo se usarem folhas de eucalipto ou óleos mágicos vendidos por aí. 
- Evitar ter a casa muito quente. 
À pergunta "como posso prevenir?", deixo a recomendação de limpar bem o nariz e beber muita água. Não vai conseguir evitar que o seu filho apanhe uma virose qualquer na escola. Mas, se for em casa que alguém fique doente, esse alguém pode colocar uma máscara na face e evitar contacto muito próximo com a criança. É fundamental que todos lavem bem as mãos. Já se for o seu filho que está doente, deverá evitar que ele seja a fonte de infecção dos outros meninos e, se puder, avise na escola.
À pergunta "e com antibiótico não passa?", respondo que só se a causa for uma infecção bacteriana ou de outro modo não vai ajudar. Isso só o médico que observa a criança poderá decidir.
E, "quando me devo preocupar?" ou antes "quando devo ir ao médico?", porque preocupados ficamos sempre...
Se:
- a criança está com febre elevada, com vómitos associados à tosse e "mais caída que o normal"
- a criança tem dificuldade a respirar
- não consegue alimentar-se
- tosse com mais de 3 semanas 
- tosses esquisitas (daquelas que falei com ruídos estranhos),
deverá ser vista por um médico.
À pergunta "quando vai passar?", a essa não sei responder.

Socorro! Tenho tosse...






quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Bexsero, fazer ou não fazer, eis a questão...

Vacinar, vacinar, vacinar é o lema!
Para os mais leigos, as vacinas são a arma mais valiosa que temos para prevenir algumas doenças e contribuiu para uma franca melhoria da saúde pública e erradicação de algumas doenças.  Em Portugal, o Plano Nacional de Vacinação, gratuito e acessível a todos, é talvez um dos melhores da Europa (arrisco-me a dizê-lo!). E, não é questionável que deve ser cumprido. O não cumprimento prejudica o seu filho e os filhos dos outros.
As vacinas extra-plano, são as que não pertencem ao plano nacional de vacinação, são pagas e opcionais.
Aos meus doentes começo sempre por explicar que cada nome estranho, por exemplo, Meningococo, é como se fosse o apelido de uma família. Isso não significa que se consiga combater todos os seus membros.
Explico assim: “a família Fernandes tem a Mãe G, o Pai F, a filha S, o neto R, a prima I. Se houver uma vacina G contra a família Fernandes, esta inactiva a Mãe mas não os restantes membros da família”. Por isso, às vezes, mesmo fazendo a vacina contra a meningite, o seu filho pode ter meningite, mas esta não será certamente do serogrupo referente à vacina. Uma vacina contra o Meningococo B  impede que o seu filho tenha doença meningocócica invasiva causada pela estirpe B, mas não o impede por exemplo de ter meningite vírica (que é facilmente tratável). Acontece muito dizerem-nos: “mas fez a vacina da meningite, como é possível agora ter meningite?”. É exactamente por este motivo.
E, posto isto, apresento-vos a única vacina com eficácia na prevenção da doença meningocócica invasiva pelo Meningococo B, a Bexsero®.
Existem 13 serogrupos de Meningococo, mas os que causam doença são maioritariamente o A, B, C, Y, W135 e X1. Na Europa, os grandes causadores são os serogrupos B e C. A doença causada pelo Meningococo ocorre mais no Inverno e Primavera e afecta sobretudo lactentes e crianças. A vacina contra o Meningococo C existe como parte do PNV desde 2006 e levou a uma quase ausência de casos de doença provocada por este serogrupo. Agora, surge a vacina contra o Meningoco B, que é neste momento o grande causador de doença meningocócica invasiva em Portugal.
Foi testada, tendo revelado eficácia e segurança. Como efeitos laterais, conhece-se os já habituais de algumas vacinas, nomeadamente a febre, que é controlada com paracetamol. Pode ser administrada ao mesmo tempo que as vacinas do PNV, nomeadamente com a vacina anti-pneumocócica conjugada.
O esquema da sua administração é o seguinte:




Uns afirmam com toda a certeza que é para fazer, outros estão expectantes.
Como Pediatra, tenho o dever e obrigação de falar sobre a vacina e explicar tudo sobre ela até o preço de cada dose (98,36 euros, aproximadamente). Como Mãe-Pediatra, vou fazê-la com toda a certeza, mas ainda não a fiz, porque nunca é tarde para a fazer. Se a recomendo? Claro que sim, mal haja oportunidade vacinal e disponibilidade financeira.









Velhos são os trapos...

Pode parecer idiota mas nunca quis ser médica de pessoas com muitos anos. Tive a certeza sempre que fazia urgência na triagem mulheres e as macas finas que nem papel crepe alinhavam mãos enrugadas, que acordavam por milissegundos e esboçavam lentas uma dança, soltavam gemidos de dor, sofrimento ou simplesmente solidão. Tive-o ainda mais certeza numa noite às 5 horas da manhã quando uma senhora de cabelo caiado de branco-velho, de traços desenhados a pincel no rosto e voz ofegante, por detrás da máscara de oxigénio se agarrou à minha mão de miúda jovem interna e me pediu desculpa pelo trabalho que estava a dar aquela sua crise asmático-solitária. Sentei-me no banco plástico do lado do dela, já meio partido, frio e calculista de hospital público e deixei-me ficar de mão dada, a ouvir a sua juventude por entre suspiros sibilantes da crise de Inverno. Ouvi a sua mocidade elegante (até diria chique) e abraçei cada palavra da sua solidão, que se instalou vagarosamente com o esquecimento dos filhos. Não tinha dinheiro para a medicação, não pedia aos filhos que já tinham muitos encargos e já via pouco, e por isso me pedia desculpa pela crise fora de horas. Aguentei-a até de manhã na urgência para pelo menos aquecer o estômago com o chá e pão ainda meio-seco servido aos doentes no hospital. Sentei-a num cadeirão mais fofo e mantive-a debaixo de um sorriso audaz enquanto observava os doentes que iam e vinham. Nesse mesmo dia, senti que não podia ser médica das pessoas com muitos anos. 
Como diria a minha avó: velhos são os trapos... (E, de facto, ela nunca foi velha. Foi sim uma senhora com muitos anos.) Mas há muitos velhos por aí, muitos filhos-velhos-velhacos, que deixam ao abandono as senhoras e senhores de muitos anos que nunca lhes largaram as mãos. E, é para não ter que importar em mim  todo o espírito matosinhense que posso ainda ter, que decidi , há muito tempo, não ser médica de pessoas com muitos anos. 

Hoje é Dia do Idoso (clicar para ouvir), traduzindo das pessoas com muitos anos...
Nos dias do Pai, da Mãe, dos Namorados, compram-se presentes e dão-se flores. Hoje, dêem aos vossos e não vossos senhores e senhoras com muitos anos, um beijo ou apenas não os tratem como velhos (que não são)...


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Amor nocturno

Amor-sem-mais-nada é isto. Um amor que vem numa mensagem nocturna e que me deixa lavada em lágrimas. Um amor que não precisa de telefonemas diários, porque está lá. Amor-de-amiga também ele inesperado e demasiado improvável.
Roubo as palavras:

"Cá em casa tudo a dormir! ... (...) companhia para o pequeno almoço (croissant e sumo de laranja) quando eu estava a sair e tu a entrar... Gargalhadas cúmplices e o praguejar contra os gajos!(...) Saudades da base e do perfume suspenso, como rasto da tua presença... Saudades dos relatos das aventuras vividas na véspera... Saudades da cauda levantada que leva tudo à frente com a determinação de furacão... Saudades da mulher, da médica, da super-mãe e da grande Amiga que fez de mim uma pessoa melhor! Adoro-te!"

São as tuas palavras, mas também são as minhas... E, não o diria melhor...
Adoro-te desde aqui até à lua...
E, o nossa história é eterna!
(Estou sempre por aí)

Desculpa roubar a tua mensagem, mas não podia deixar de ser... Arrisco a que fiques furiosa, mas para não variar, eu arrisco sempre. Já me conheces!

Em modo nocturno



segunda-feira, 15 de setembro de 2014

sábado, 13 de setembro de 2014

Primeiro dia de escola...

Primeiro dia de escola. 20 meninos e uma jovem professora. 20 meninos=18 meninos-comuns (sem ofensa), o R e a menina-que-queria-ir-à-escola cujo nome não sei. A cada menino a sua mãe. Montes de mães com um sorriso rasgado de nervoso miudinho. Bagunça na porta de entrada. É engraçado olhar à volta e decifrar as conversas alheias de pais de meninos-comuns que vão para o primeiro dia de escola. 
Encostados à porta, os olhos do R procuravam os meninos dos abraços longos e de amor-violento da sala do ano passado. Soltava um "olha..." a cada rosto conhecido, mas o L (o amigo de sempre que não tinha medo dos apertos amoroso-efusivos) não chegou a aparecer. À chamada do seu nome acompanhado de um exclamativo "bom dia...", entramos para uma sala de aula calorosa mas ainda meio-despida de coisas de meninos. Com o R no colo, inquieto, sem sequer perceber quem era a Professora, tentei captar uma coisa ou outra do que ela dizia. 
Apresentação aos meninos e pais dos 20 meninos terminada. 
Sobramos dois: o R e a menina-que-queria-ir-à-escola cujo nome não sei. As mães dos meninos-comuns foram embora, apressadas, fardadas para o trabalho e preocupadas com o material imenso que a professora pedira. E, nós continuamos, para a reunião na Unidade de Ensino Especial. Nessa mesa, fervorosamente redonda, sentamo-nos. (O R foi brincar.) Éramos três Mães:eu e duas mães com rostos tão familiares (percebi que do hospital). Eram três professoras de sorriso amplo e airoso. Dei por mim a ouvir vidas alheias descritas como um processo clínico hospitalar recheadas de termos clínicos acertados, listas de fármacos com nomes difíceis que eram tão bem aplicados. Dei por mim a ouvir vidas que não cabem nas 24 horas de um dia. Dei por mim a ver agenda com consultas no hospital e aqui e acolá marcadas todos os dias ou dia sim-dia não. Dei por mim a olhar para o R com as suas minúsculas deficiências e a pensar que sou uma sortuda. Dei por mi a apetecer-me reformular a vida destes meninos e das mães... É verdade: consultas em dias consecutivos porque raramente alguém tenta marcar uma consulta multidisciplinar em que se unem as forças e a ciência numa manhã. Dei por mim a não ouvir lamúrias ou suspiros (que eu tantas vezes dou). Dei por mim a olhar mães de olhos cansados e caídos, mascarados pelo rímel, porque o "é assim, tem de ser, não há solução" foi-lhes dado como a única opção. Não acredito nisso. Acredito com todo o fervor que podem ser mudadas algumas coisas. Acredito e vou propô-lo. Em oposição ao que uma mente brilhante psicológica me disse um dia (há bem pouco tempo), as mães dos meninos menos comuns não têm de deixar de trabalhar. Eu não acredito nisso. Foi-me dito num sítio de meninos menos comuns como uma verdade inquestionável, servido com um olhar reprovador e fulminante, porque não acompanhava o R às terapias. Rechearam-se os meus olhos de lágrimas que caíram uma ou outra no barrigas da S. Mas, agora, que já não estou hormonalmente ondulante, penso com toda a certeza que está não é opção. Quero e preciso chegar do trabalho desgastante e ficar num namoro incontrolável com eles. É isso que preciso...
O primeiro dia de escola do R foi isto: um ponto de partida para novas mudanças...

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Amamentação

"A Medicina é como o Amor, nem sempre, nem nunca..." Esta era a citação que me fazia recusar como opção correcta as frases que diziam sempre ou nunca, nos testes de escolha múltipla. 
Com a citação arrasto  e arrisco críticas selvagens pediatricamente fundamentalistas, mas é uma mera e simples opinião.

Amamento e adoro fazê-lo. É delicioso o calor morno que se sente no colo e os olhos tenros quase a semi-cerrarem de prazer. É grandioso dar um pouco de mim, da minha imunidade, da minha resistência voraz e do meu amor. É confortável não ter de preparar biberão, carregar leite adaptado e a temperatura estar sempre ideal. É indescritível.
Mas, há quem não possa e também há quem não o queira fazer. Vejo-o como um direito, uma opção válida. Não o critico, porque simplesmente não é criticável.
É, sim criticável, a atitude salazarista de alguns profissionais de saúde que quase apontam o dedo ou desesperadamente estimulam enraivecidos os mamilos ainda não preparados de algumas mães. Aconteceu-me a mim no nascimento do R e por isso falo e posso falar. A angústia, o medo de falhar e o dedo apontado são inevitáveis. A mim apeteceu-me gritar que não dá, não tenho, não consigo, mas não o fiz porque parecia mal, ainda para mais sendo eu Pediatra (mas não fundamentalista).
Caros colegas, deixem o fundamentalismo de parte. Deixem que aconteça se a Mãe quiser, sem impor ou sem olhares de soslaio. É um acto de vida, puro, genuíno e não uma tortura. Não se esqueçam, "a Medicina é como o Amor nem sempre, nem nunca..."

Após amamentar a S, no 2º dia de vida, sem angústias ou olhares de soslaio...
Perfeito!


iMprobabilidade

Improbabilidades, sou cheia delas.
Gosto de ter os meus amigos de sempre, um amor de sempre, cumprir as decisões que dei como certas, traçar um percurso e não fazer desvios. Mas, de facto, a minha vida veste-se de improbabilidades. 
Tenho um amor improvável. Tenho um R cheio de improbabilidades e uma S que se tornou a decisão outrora ainda mais improvável. Tenho amigos que pareciam improváveis e, como que num sopro, apercebo-me que a improbabilidade é deliciosamente confortável.
Este meu jeito de falar em palavras apresentou-me alguns amigos que parecem de sempre, improváveis como é óbvio. Com um bolo de cenoura húmido bimbyólico ainda meio-morno e um sumo descompensado em modo polpa, contamos estórias, as nossas, despidas e sem H e muito mal (mas, mesmo muito mal) escritas,  por quem as escreveu.  Sorris com os olhos brilhantes cor do mar das caraíbas, e o tempo voa com alma e muito com o coração. És uma amiga tão improvável que muito provavelmente serás a minha M para sempre...

Esta é a única certeza que temos!


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Off

Desligada. Estou em modo off há já algum tempo. Sabem quando estamos sentados horas a fio sobre uma perna dobrada? É tal e qual: um estado dormente da alma, uma caimbrã relaxada e a sensação que tenho de recomeçar devagarinho. 
Perguntam muitas vezes o que sou, e a resposta é rápida e fácil: sou Pediatra. Mas se perguntarem o que faço... bem, aí tropeço na velocidade das tarefas que eu faço e tento ser. Não sei se dá para entender!?... Passo a explicar: sou Pediatra mas faço muitas coisas.
No hospital, uso farda branca-suja (de tão velha) e calço ténis coloridos, corro velozmente e tenho uma força desmesurada para levar as malas de emergência. No consultório, uso vestidos escolhidos a dedo e raras vezes bata branca imaculada, caminho decidida num equilíbrio quase vertiginoso em saltos-agulha.
No hospital, tenho muitas vezes borboletas namoradeiras que batem asas na minha barriga vazia e as lágrimas enchem-me os olhos. No consultório, rio com os pais em conversas científico-amigáveis, que apagam como borracha as dúvidas e angústias.
No hospital, não tenho um sítio meu. No  consultório, tenho uma secretária, uma cadeira, um teclado impregnado em perfume.
No hospital, o tempo voa no relógio que está no bolso da farda, não ha almoço, lanche ou jantar. No consultório, há horas marcadas.
No hospital, há meninos de papel-crepe, misturados com meninos de papel de lustro, quadriculados, pautados ou com folhas de duas linhas. Meninos que me fazem ficar sem fôlego e que escrevem as estórias que ficam carimbadas na memória. No consultório, há meninos de cartolina, lisa, de muitas cores que fazem desenhos da nossa estória de anos a fio. 
É isto que eu faço: faço dos meninos, os que vi apenas uma vez e aqueles que vou vendo durante anos a fio, meninos com estórias e desenhos que ficam na memória. 
E, tenho saudades de ser o que faço!








quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Amor-miúdo



Sabe a algodão doce e perfume de terra molhada depois da chuva. É às riscas amarelas e brancas, porque é a cor preferida do R. É morno como o leite com canela. Ouve-se atrás da porta. É um amor-barato. É um amor-puro, simples e nu. É o amor do R e da S... Num dedo estendido a acalmar o choro mimalho...

À Brígida Brito, de colo doce e voz de embalo, que captou o amor-miúdo da menina da lua (como alguém lhe chamou) e do menino que gosta da cor do sol.






Ssssssss

Chegou carregada de vida. Uma vida tão pouco contida. Tem a pureza no olhar. Tem mãos macias e grandes que abraçaram o mundo num abraço quase esmagador. Tem um sonho em si.
Apresento a S... a minha, do P e do R.

Deixo um Obrigada do tamanho dos balões que faziam a grinalda que esperava por nós, a todos os que passo a citar: Teresa Coelho, Joana Mesquita, Gonçalo Durães, Ricardo Bianchi, Bernarda Sampaio, Maria José Oliveira, Rui Brízida Alves, Luís Brás, Patricia Pais, Fábio Cunha.
E, ao Ricardo, o "meu" fotógrafo e sempre, pela maneira fácil como retrata a vida! (As imagens são dele e não representam nem uma pontinha das maravilhosas fotografias que fez...)

Respiro...



Respiramos



Amigos

Puro amor...


sábado, 14 de junho de 2014

Carta ao meu Pai

São 24 horas, mais coisa menos coisa, desde mim até ao teu pescoço quente e suado de nervoso miudinho. São simples 24 horas que separam o meu perfume a pó de talco do meu Pai. A minha Mãe chama-te Macdreammy, tem o coração que bate mais forte sempre que ouve a tua voz e afaga-te o cabelo no sono. Conheço as tuas mãos pesadas que tacteiam a barriga: quentes, fortes e minhas. Conheço a voz veloz e forte que vem de ti... num passo apressado como tu. Mas não sei como és. A a Mãe diz que tens os olhos mais fascinantes do mundo, um mais preguiçoso que se fecha mais. A Mãe diz que a tua ruga acima do nariz te dá uma graça especial e que se lembra dela da faculdade. A Mãe diz que tem um pedaço de ti que vai ser sempre dela e só dela, o pedaço entre o cotovelo e e o ombro,  embora mo possa emprestar para dormir. A Mãe diz que escondes na velocidade das palavras um romântico inveterado. A mãe diz que gostas de flores. A Mãe diz que és um sonho...
Eu não quero que sejas um sonho. Quero que sejas de carne e osso. Que tenhas mãos grandes e mornas. Também quero um pedaço de ti só meu mas, posso escolher depois? Quero que me ensines as primeiras palavras e que me vejas crescer. Quero ir à praia contigo  e usar um biquini a fazer pandã com os teus calções. Quero que sejas o meu namorado para sempre. Quero que sejas simplesmente o meu Pai. 
(E, isto é um segredo, mas vou contar: A Mãe diz que não podia ter escolhido melhor...)

sexta-feira, 6 de junho de 2014

As escolhas das Sofias: Inside

Lingerie de pré e pós-parto... Imaginamos cuecas enormes e sutiãs desajeitados, desastradamente confortáveis. Mas, se quisemos, já pode não ser assim... Existe lingerie absolutamente deliciosa que decora a barriga e levanta a alma.

As escolhas das Sofias são:

Lingerie Rêverie 
Recém-chegados dois conjuntos maravilhosos, abraçados a um cartão mimoso e  a namorar um catálogo de perder a cabeça... Gravidez é isso também... barriga voluptuosa emoldurada por lingerie com toque de anjo a encostar o corpo como algodão doce.
Para as quase mamãs, para as recém-mamãs, para as curiosas, para mim...
Obrigada Lingerie Rêverie..Amei os mimos! E, já espreitei a colecção não maternal que é de perder a cabeça.  Quero tudo o que for branco, romântico, maravilhosamente desenhado...

Lindo

Quero...


Existem muitas mais marcas mas saliento a que escolhemos...




quinta-feira, 5 de junho de 2014

As escolhas das Sofias: entre cremes e xampôs

Pele.
O que se toca e tem perfume de pó de talco antigo. Óleo dourado que faz voar a Marrocos. Tom café com leite, muito leite e pouco café.  Esticada com um balão de festa de aniversário. Fundamental. Imprescindível. Linda.
Carregar no ventre um coração é embrulhá-lo num tecido de seda, é amar o que nele se desenha, é deixar romper a vida.
Barrigas de seda é o que somos e queremos ser.
Só queremos que o coração dentro de nós esteja bem. Não queremos asneirar. Perguntei a várias colegas de Obstetrícia o que podemos fazer, que cremes usar, quando usar, se têm efeitos e quais são. Percebi que as respostas não vêm nos livros, nem nas cosméticas de marca conhecida. 


As Escolhas das Sofias são:

Rosto em modo noite lavado, sem maquilhagem, hidratado (Dior Prestige- Crème Satin Revitalisante). Rosto em modo dia com a maquilhagem de sempre e lábios bem hidratados. O sol passou a ser companheiro da escola em vez de amigo confidente e o protector solar virou rotina. Eu sou das que não prescinde de uma cor morna, de verniz nas unhas e de perfume que fica para trás. 
A marca de sempre: Dior.



Dior gift
A convite pela Dior

Dior Prestige


Corpo. Indispensável óleo da Clarins: pelo perfume, pelo toque, pela viagem até Marrocos. Mas, há novidades, mais acessíveis e com um perfume a fresco que faz voar. Recomendadíssimo: Mum & Me, com uma gama pré e pós-parto de uso diário, deliciosa que apetece trincar.

Clarins, o clássico

Mum & Me, deliciosamente recém-chegado ao mercado

Fiel à Dior, fiz tratamentos de rosto e corpo e continuei a optar pela marca. Mas, convidaram-me a experimentar uma marca recém-nascida em Portugal e estou absolutamente rendida. Mum & Me!, à venda na Well´s.

Cabelo. Cabelo escorrido que cai pelo meio do dorso, nero, espaguete. Descanso no primeiro trimestre de gravidez, mas alinhado por mãos sabedoras a partir daí. O ritual faz parte: lavagem, a conversa da cadeira que se inclina no cabeleireiro, a leveza. Eu, que não sei domar cabelos, deixei-os a cargo da Shu Uemura.

Shu Uemura, a domadora de cabelos

São apenas algumas dicas de grávida bem vaidosa com me podem chamar. Pois é, porque não acredito que o estado de graça seja por si só, au naturelle, dotado de uma beleza alucinante. Perdoem-me quem pensa que as grávidas são todas lindas. Não concordo. Mimem-se! 
A mulher grávida merece-o e a auto-estima também.

A aguardar as críticas ecológicas deste post e já a preparar a próxima escolha...









quinta-feira, 29 de maio de 2014

As escolhas das Sofias: o fotógrafo

Adoro retratos. Retratos a cores e a preto e branco. Retratos antigos, parados e estáticos e retratos animados e que respiram vida. Retratos que são folhas luminosas nas mãos ou que enchem o telemóvel. Retratos de quem é leigo e retratos de quem sabe o que faz. Adoro retratos do certo e retratos do improvável. Retratos de pessoas ou partes delas. Retratos que nos levam a viajar a um perfume, a reviver um abraço ou a sentir na língua um sabor antigo. Adoro retratos que ficam só na memória mas amo os retratos que ficam carimbados numa lente qualquer.
Adoro os retratos em que respiro gravidez, tal como é, despretensiosa e de barriga à mostra.
Adoro ter um fotógrafo de eleição e digo-o sem qualquer pudor. 
Género masculino, cabelo cor de mel, Pai e marido de uma amiga minha da faculdade, sereno, tranquilo, com pronúncia do Norte (tal como eu), brilhante encantador e detector de momentos improváveis: Ricardo Silva Fotografia.
Palavras para quê? Basta espreitar...






























terça-feira, 27 de maio de 2014

Equipa...

Espírito de equipa. É num tom avinagrado que ouço falar, apelar e incentivar o espírito de equipa. É quase delicioso sentir que é aquela expressão que se usa em prol de se conseguir chicotear os que estão a fazer cumprir os seus direitos. 
Meus caros, começo por vos explicar o que é uma equipa.
Equipa é um conjunto de pessoas (basta duas) que trabalham, vivem e se coordenam com um fim comum. Sou eu e o P.. São as quatro pessoas que viveram dias a fio no hospital para construir um projecto. São os que estão na sala de emergência, sem relógios, sem fardas imaculadas, sem olhares reprovadores. São os avós antigos. E, ser da equipa não é um nome escrito numa escala de banco, não é fazer olhares de soslaio aos contratos dos outros, não é fazer jantares em restaurantes da moda na baixa do Porto, não é esquecer os que ficaram acordados a noite toda e ainda criticar as decisões tomadas.
Como se pode falar em espírito de equipa se na verdade quem mais apela a semelhante nem sabe o que é uma equipa?
Nós, os médicos, temos muito este desejo fugaz de ser uma equipa e vivemos a apelar  ao espírito de equipa. É inato à profissão, faz parte do ensinamento e deveria ser para o melhor do doente. Mas, muitas vezes não é. Não se pratica, apenas se cita. Já fiz parte de várias equipas e com verdadeiro espírito de equipa (nunca de todos, mas afinal bastam dois). Críticas à parte, até porque faz bem falar, o espírito de equipa vai-se desvanecendo quando se descobre que a equipa é só de duas pessoas, no máximo três. O resto é plateia...
Agora a minha equipa é outra. Desculpem-me as equipas das quais eu fiz parte, mas esta equipa faz-me vestir muito mais a camisola e por esta (sim) imano espírito de equipa. 


Às equipas que valem a pena. 


Equipa


sexta-feira, 23 de maio de 2014

Sirenes e reclamação que me gritou aos ouvidos

Reclamação de um cidadão para o INEM.

"Tenho verificado que esta nossa cidade parece que está em guerra. É impressionante o número de ambulâncias do INEM que percorrem a cidade. Pessoalmente estou totalmente convencido de duas coisas: 

1. Muitas vezes as ambulâncias do INEM não vão com ninguém nem se deslocam em emergência e levam as sirenes ligadas - simplesmente têm pouca vontade de ficar paradas nos sinais vermelhos e ligam a sirene. Sei que isto é mesmo assim já que os sigo e vejo que não levam ninguém. Nem sequer é valida a informação de que regressam à Sede para novos casos é válida já que, com os atuais sistemas de comunicação, não precisam de ir à sede para receberem aviso de novas emergências. 
2. As sirenes têm um regulador de intensidade. Estou absolutamente seguro que os condutores os levam sempre no máximo da sua potência, o que provoca uma poluição sonora absolutamente insuportável. As sirenes ouvem-se a 3 e 4 quarteirões de distância, quando bastavam que se ouvissem a 50/70 m de distância. 
O que afirmo é facilmente comprovável. Visito regularmente cidades com vários milhões de habitantes - Madrid, Paris, Londres, etc e nada disto se passa. Naturalmente, mantendo todo o respeito pelo excelente trabalho de socorro que fazem a vítimas necessitadas de emergência, penso que existe um abuso inqualificável por parte dos condutores das Vossas viaturas. 
Deixo ao Vosso cuidado analisarem esta situação".

Li uma vez e ri-me. Achei que não merecia comentários. Mas, voltei a ler mais algumas vezes e não consigo ficar inerte. 
Desculpe-me o caro cidadão do Mundo, com ouvido sedento de sirenes. 
Respondo como cidadã e como tripulante de uma amarelinha onde se desenha um boneco e diz Transporte Pediátrico. 
Sou Pediatra do TIP Norte e integro uma equipa constituída por médico, enfermeiro e técnico de ambulância de emergência. Respondo apenas e só por mim.
1. Resposta à parte do "Muitas vezes as ambulâncias do INEM não vão com ninguém nem se deslocam em emergência e levam as sirenes ligadas - simplesmente têm pouca vontade de ficar paradas nos sinais vermelhos e ligam a sirene. Sei que isto é mesmo assim já que os sigo e vejo que não levam ninguém." Muitas vezes levamos sirenes ligadas para ir buscar crianças doentes a vários locais do Norte do País e ainda não as temos na ambulância. Sim, é verdade, passamos rapidamente de maca vazia e monitores desligados para prestar ajuda em algum local que nos solicitou. Outras vezes, já de regresso ao hospital, somos novamente activados para nova saída mas se tivermos de repor a carga da ambulância, voltamos a ir de maca vazia com sirenes ligadas e numa ligeireza que a meu ver se justifica. 
Desculpe de o incomodamos. 
E agradecemos mas não precisamos de guarda-costas para nos seguir. Isso sim é uma atitude estúpida e desprezável porque pode causar uma colisão.
2. Resposta à parte do "As sirenes têm um regulador de intensidade. Estou absolutamente seguro que os condutores os levam sempre no máximo da sua potência, o que provoca uma poluição sonora absolutamente insuportável. As sirenes ouvem-se a 3 e 4 quarteirões de distância, quando bastavam que se ouvissem a 50/70 m de distância.". 
Às vezes, muitas mesmo, eu própria gostaria de por a sirene no máximo porque os outros condutores não se arrumam ou então são surdos. Muitas vezes, eu própria, pedi para o fazerem. Acho que os Pais dos meninos que vão na nossa ambulância ou que esperam por ela, agradeciam que as sirenes ainda gritassem mais alto.

Desculpe caro incomodado pelo ruído das sirenes, mas no que depender de mim, sempre que se justificar (e essa parte, pretensiosamente lhe digo, somos nós que sabemos avaliar), vai ouvir...
Abusadores não são os nossos TAEs (tal como lhes chamou), nem as sirenes, são apenas e só estes comentários de quem espero que nunca precise.

De regresso às 7 h da manhã e sirenes desligadas