Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Amor nocturno

Amor-sem-mais-nada é isto. Um amor que vem numa mensagem nocturna e que me deixa lavada em lágrimas. Um amor que não precisa de telefonemas diários, porque está lá. Amor-de-amiga também ele inesperado e demasiado improvável.
Roubo as palavras:

"Cá em casa tudo a dormir! ... (...) companhia para o pequeno almoço (croissant e sumo de laranja) quando eu estava a sair e tu a entrar... Gargalhadas cúmplices e o praguejar contra os gajos!(...) Saudades da base e do perfume suspenso, como rasto da tua presença... Saudades dos relatos das aventuras vividas na véspera... Saudades da cauda levantada que leva tudo à frente com a determinação de furacão... Saudades da mulher, da médica, da super-mãe e da grande Amiga que fez de mim uma pessoa melhor! Adoro-te!"

São as tuas palavras, mas também são as minhas... E, não o diria melhor...
Adoro-te desde aqui até à lua...
E, o nossa história é eterna!
(Estou sempre por aí)

Desculpa roubar a tua mensagem, mas não podia deixar de ser... Arrisco a que fiques furiosa, mas para não variar, eu arrisco sempre. Já me conheces!

Em modo nocturno



segunda-feira, 15 de setembro de 2014

sábado, 13 de setembro de 2014

Primeiro dia de escola...

Primeiro dia de escola. 20 meninos e uma jovem professora. 20 meninos=18 meninos-comuns (sem ofensa), o R e a menina-que-queria-ir-à-escola cujo nome não sei. A cada menino a sua mãe. Montes de mães com um sorriso rasgado de nervoso miudinho. Bagunça na porta de entrada. É engraçado olhar à volta e decifrar as conversas alheias de pais de meninos-comuns que vão para o primeiro dia de escola. 
Encostados à porta, os olhos do R procuravam os meninos dos abraços longos e de amor-violento da sala do ano passado. Soltava um "olha..." a cada rosto conhecido, mas o L (o amigo de sempre que não tinha medo dos apertos amoroso-efusivos) não chegou a aparecer. À chamada do seu nome acompanhado de um exclamativo "bom dia...", entramos para uma sala de aula calorosa mas ainda meio-despida de coisas de meninos. Com o R no colo, inquieto, sem sequer perceber quem era a Professora, tentei captar uma coisa ou outra do que ela dizia. 
Apresentação aos meninos e pais dos 20 meninos terminada. 
Sobramos dois: o R e a menina-que-queria-ir-à-escola cujo nome não sei. As mães dos meninos-comuns foram embora, apressadas, fardadas para o trabalho e preocupadas com o material imenso que a professora pedira. E, nós continuamos, para a reunião na Unidade de Ensino Especial. Nessa mesa, fervorosamente redonda, sentamo-nos. (O R foi brincar.) Éramos três Mães:eu e duas mães com rostos tão familiares (percebi que do hospital). Eram três professoras de sorriso amplo e airoso. Dei por mim a ouvir vidas alheias descritas como um processo clínico hospitalar recheadas de termos clínicos acertados, listas de fármacos com nomes difíceis que eram tão bem aplicados. Dei por mim a ouvir vidas que não cabem nas 24 horas de um dia. Dei por mim a ver agenda com consultas no hospital e aqui e acolá marcadas todos os dias ou dia sim-dia não. Dei por mim a olhar para o R com as suas minúsculas deficiências e a pensar que sou uma sortuda. Dei por mi a apetecer-me reformular a vida destes meninos e das mães... É verdade: consultas em dias consecutivos porque raramente alguém tenta marcar uma consulta multidisciplinar em que se unem as forças e a ciência numa manhã. Dei por mim a não ouvir lamúrias ou suspiros (que eu tantas vezes dou). Dei por mim a olhar mães de olhos cansados e caídos, mascarados pelo rímel, porque o "é assim, tem de ser, não há solução" foi-lhes dado como a única opção. Não acredito nisso. Acredito com todo o fervor que podem ser mudadas algumas coisas. Acredito e vou propô-lo. Em oposição ao que uma mente brilhante psicológica me disse um dia (há bem pouco tempo), as mães dos meninos menos comuns não têm de deixar de trabalhar. Eu não acredito nisso. Foi-me dito num sítio de meninos menos comuns como uma verdade inquestionável, servido com um olhar reprovador e fulminante, porque não acompanhava o R às terapias. Rechearam-se os meus olhos de lágrimas que caíram uma ou outra no barrigas da S. Mas, agora, que já não estou hormonalmente ondulante, penso com toda a certeza que está não é opção. Quero e preciso chegar do trabalho desgastante e ficar num namoro incontrolável com eles. É isso que preciso...
O primeiro dia de escola do R foi isto: um ponto de partida para novas mudanças...

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Amamentação

"A Medicina é como o Amor, nem sempre, nem nunca..." Esta era a citação que me fazia recusar como opção correcta as frases que diziam sempre ou nunca, nos testes de escolha múltipla. 
Com a citação arrasto  e arrisco críticas selvagens pediatricamente fundamentalistas, mas é uma mera e simples opinião.

Amamento e adoro fazê-lo. É delicioso o calor morno que se sente no colo e os olhos tenros quase a semi-cerrarem de prazer. É grandioso dar um pouco de mim, da minha imunidade, da minha resistência voraz e do meu amor. É confortável não ter de preparar biberão, carregar leite adaptado e a temperatura estar sempre ideal. É indescritível.
Mas, há quem não possa e também há quem não o queira fazer. Vejo-o como um direito, uma opção válida. Não o critico, porque simplesmente não é criticável.
É, sim criticável, a atitude salazarista de alguns profissionais de saúde que quase apontam o dedo ou desesperadamente estimulam enraivecidos os mamilos ainda não preparados de algumas mães. Aconteceu-me a mim no nascimento do R e por isso falo e posso falar. A angústia, o medo de falhar e o dedo apontado são inevitáveis. A mim apeteceu-me gritar que não dá, não tenho, não consigo, mas não o fiz porque parecia mal, ainda para mais sendo eu Pediatra (mas não fundamentalista).
Caros colegas, deixem o fundamentalismo de parte. Deixem que aconteça se a Mãe quiser, sem impor ou sem olhares de soslaio. É um acto de vida, puro, genuíno e não uma tortura. Não se esqueçam, "a Medicina é como o Amor nem sempre, nem nunca..."

Após amamentar a S, no 2º dia de vida, sem angústias ou olhares de soslaio...
Perfeito!


iMprobabilidade

Improbabilidades, sou cheia delas.
Gosto de ter os meus amigos de sempre, um amor de sempre, cumprir as decisões que dei como certas, traçar um percurso e não fazer desvios. Mas, de facto, a minha vida veste-se de improbabilidades. 
Tenho um amor improvável. Tenho um R cheio de improbabilidades e uma S que se tornou a decisão outrora ainda mais improvável. Tenho amigos que pareciam improváveis e, como que num sopro, apercebo-me que a improbabilidade é deliciosamente confortável.
Este meu jeito de falar em palavras apresentou-me alguns amigos que parecem de sempre, improváveis como é óbvio. Com um bolo de cenoura húmido bimbyólico ainda meio-morno e um sumo descompensado em modo polpa, contamos estórias, as nossas, despidas e sem H e muito mal (mas, mesmo muito mal) escritas,  por quem as escreveu.  Sorris com os olhos brilhantes cor do mar das caraíbas, e o tempo voa com alma e muito com o coração. És uma amiga tão improvável que muito provavelmente serás a minha M para sempre...

Esta é a única certeza que temos!


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Off

Desligada. Estou em modo off há já algum tempo. Sabem quando estamos sentados horas a fio sobre uma perna dobrada? É tal e qual: um estado dormente da alma, uma caimbrã relaxada e a sensação que tenho de recomeçar devagarinho. 
Perguntam muitas vezes o que sou, e a resposta é rápida e fácil: sou Pediatra. Mas se perguntarem o que faço... bem, aí tropeço na velocidade das tarefas que eu faço e tento ser. Não sei se dá para entender!?... Passo a explicar: sou Pediatra mas faço muitas coisas.
No hospital, uso farda branca-suja (de tão velha) e calço ténis coloridos, corro velozmente e tenho uma força desmesurada para levar as malas de emergência. No consultório, uso vestidos escolhidos a dedo e raras vezes bata branca imaculada, caminho decidida num equilíbrio quase vertiginoso em saltos-agulha.
No hospital, tenho muitas vezes borboletas namoradeiras que batem asas na minha barriga vazia e as lágrimas enchem-me os olhos. No consultório, rio com os pais em conversas científico-amigáveis, que apagam como borracha as dúvidas e angústias.
No hospital, não tenho um sítio meu. No  consultório, tenho uma secretária, uma cadeira, um teclado impregnado em perfume.
No hospital, o tempo voa no relógio que está no bolso da farda, não ha almoço, lanche ou jantar. No consultório, há horas marcadas.
No hospital, há meninos de papel-crepe, misturados com meninos de papel de lustro, quadriculados, pautados ou com folhas de duas linhas. Meninos que me fazem ficar sem fôlego e que escrevem as estórias que ficam carimbadas na memória. No consultório, há meninos de cartolina, lisa, de muitas cores que fazem desenhos da nossa estória de anos a fio. 
É isto que eu faço: faço dos meninos, os que vi apenas uma vez e aqueles que vou vendo durante anos a fio, meninos com estórias e desenhos que ficam na memória. 
E, tenho saudades de ser o que faço!