Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Incentivo à Natalidade...o que é isso?

Incentivo à Natalidade. Muito se fala e se escreve sobre isso. Opiniões de pessoas importantes, muitas delas que até nem têm filhos.
Sou de uma geração de mulheres que trabalham e também são Mães. Sou de uma geração de mulheres que quiseram ser Médicas e também quiseram ser Mães. Pois bem, se já era complicado, trabalhar e ser Mãe, muito mais ficou agora que esta trabalhadora também é Médica. Ser Mãe-Médica é quase uma anormalidade...ou às vezes, parece.
"Atestado de gravidez de risco?!!! Agora, todas fazem isso... Gravidez não é doença e todas se lembram de colocar atestado para não trabalhar.
Quem vai fazer as noites? É por isso que se preferem os Médicos(-machos), sem ofensa. Não dão estes incómodos...
Horário de amamentação? Mas ainda estão a amamentar? Modernices...
Falta por doença do filho? Impossível... Está escalada para aquele turno e não há mais ninguém para o fazer. Não pode por atestado."
É isto que acontece. Tal e qual. Sob a Teoria do "há mais quem faça o seu trabalho", a Mãe-Médica quase que renega aos seus direitos agora tão falados e quase aplaudidos. É-lhe apontado o dedo sempre que alguém tem que substituir a Mãe-Médica cujo filho ficou doente ou que pôs atestado por gravidez de alto-risco...
Detesto esta hipocrisia pública de pessoas importantes falarem de incentivo à Natalidade, quando aqueles que tratam das crianças e dos Pais são os primeiros a decapitá-la.




Socorro, a escola começou...

Começou a escola e com ela, começaram as diarreias, as tosses, as dores de barriga, os vómitos, etc, etc, etc.
Vou falar-vos da tosse.
A tosse pode ter várias caras: a tosse seca, a tosse que "faz gatinhos", a tosse que faz "borbulhar o peito", a tosse de cão, a tosse imparável, a tosse que não dorme e chega à noite. Todas as tosses são horríveis e o que mais os Pais pedem é que se dê qualquer coisa para parar a tosse. Pois bem, meus caros, a tosse é um mecanismo de defesa do organismo a uma agressão externa. Podem ser infecções, alergias, corpos estranhos, refluxo, e muitas outras causas. Na maioria dos casos, a tosse é uma consequência de uma infecção vírica e estamos na época delas. Por isso, bem-vinda tosse!
Eis, uma lista de truques rápidos para lidar com a tosse:
- O melhor xarope da tosse é a água, por isso, beber água abundantemente pode e vai ajudar a tornar as secreções mais fluidas. 
- Limpar muito bem o nariz com soro fisiológico ou com água do mar, com ou sem necessidade de aspiração de secreções. É fundamental num pequeno lactente, a rotina de limpar o nariz com soro fisiológico todos os dias, porque os bebés só respiram pelo nariz e este não pode estar tapado. 
- Elevar a cabeceira da cama para que a criança não fique totalmente deitada. 
- Evitar ambientes poluídos. 
- Esquecer as mezinhas antigas dos vapores com água a ferver na panela. Altamente proibido pelo risco de queimaduras associado e pelo agravamento que pode causar, sobretudo se usarem folhas de eucalipto ou óleos mágicos vendidos por aí. 
- Evitar ter a casa muito quente. 
À pergunta "como posso prevenir?", deixo a recomendação de limpar bem o nariz e beber muita água. Não vai conseguir evitar que o seu filho apanhe uma virose qualquer na escola. Mas, se for em casa que alguém fique doente, esse alguém pode colocar uma máscara na face e evitar contacto muito próximo com a criança. É fundamental que todos lavem bem as mãos. Já se for o seu filho que está doente, deverá evitar que ele seja a fonte de infecção dos outros meninos e, se puder, avise na escola.
À pergunta "e com antibiótico não passa?", respondo que só se a causa for uma infecção bacteriana ou de outro modo não vai ajudar. Isso só o médico que observa a criança poderá decidir.
E, "quando me devo preocupar?" ou antes "quando devo ir ao médico?", porque preocupados ficamos sempre...
Se:
- a criança está com febre elevada, com vómitos associados à tosse e "mais caída que o normal"
- a criança tem dificuldade a respirar
- não consegue alimentar-se
- tosse com mais de 3 semanas 
- tosses esquisitas (daquelas que falei com ruídos estranhos),
deverá ser vista por um médico.
À pergunta "quando vai passar?", a essa não sei responder.

Socorro! Tenho tosse...






quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Bexsero, fazer ou não fazer, eis a questão...

Vacinar, vacinar, vacinar é o lema!
Para os mais leigos, as vacinas são a arma mais valiosa que temos para prevenir algumas doenças e contribuiu para uma franca melhoria da saúde pública e erradicação de algumas doenças.  Em Portugal, o Plano Nacional de Vacinação, gratuito e acessível a todos, é talvez um dos melhores da Europa (arrisco-me a dizê-lo!). E, não é questionável que deve ser cumprido. O não cumprimento prejudica o seu filho e os filhos dos outros.
As vacinas extra-plano, são as que não pertencem ao plano nacional de vacinação, são pagas e opcionais.
Aos meus doentes começo sempre por explicar que cada nome estranho, por exemplo, Meningococo, é como se fosse o apelido de uma família. Isso não significa que se consiga combater todos os seus membros.
Explico assim: “a família Fernandes tem a Mãe G, o Pai F, a filha S, o neto R, a prima I. Se houver uma vacina G contra a família Fernandes, esta inactiva a Mãe mas não os restantes membros da família”. Por isso, às vezes, mesmo fazendo a vacina contra a meningite, o seu filho pode ter meningite, mas esta não será certamente do serogrupo referente à vacina. Uma vacina contra o Meningococo B  impede que o seu filho tenha doença meningocócica invasiva causada pela estirpe B, mas não o impede por exemplo de ter meningite vírica (que é facilmente tratável). Acontece muito dizerem-nos: “mas fez a vacina da meningite, como é possível agora ter meningite?”. É exactamente por este motivo.
E, posto isto, apresento-vos a única vacina com eficácia na prevenção da doença meningocócica invasiva pelo Meningococo B, a Bexsero®.
Existem 13 serogrupos de Meningococo, mas os que causam doença são maioritariamente o A, B, C, Y, W135 e X1. Na Europa, os grandes causadores são os serogrupos B e C. A doença causada pelo Meningococo ocorre mais no Inverno e Primavera e afecta sobretudo lactentes e crianças. A vacina contra o Meningococo C existe como parte do PNV desde 2006 e levou a uma quase ausência de casos de doença provocada por este serogrupo. Agora, surge a vacina contra o Meningoco B, que é neste momento o grande causador de doença meningocócica invasiva em Portugal.
Foi testada, tendo revelado eficácia e segurança. Como efeitos laterais, conhece-se os já habituais de algumas vacinas, nomeadamente a febre, que é controlada com paracetamol. Pode ser administrada ao mesmo tempo que as vacinas do PNV, nomeadamente com a vacina anti-pneumocócica conjugada.
O esquema da sua administração é o seguinte:




Uns afirmam com toda a certeza que é para fazer, outros estão expectantes.
Como Pediatra, tenho o dever e obrigação de falar sobre a vacina e explicar tudo sobre ela até o preço de cada dose (98,36 euros, aproximadamente). Como Mãe-Pediatra, vou fazê-la com toda a certeza, mas ainda não a fiz, porque nunca é tarde para a fazer. Se a recomendo? Claro que sim, mal haja oportunidade vacinal e disponibilidade financeira.









Velhos são os trapos...

Pode parecer idiota mas nunca quis ser médica de pessoas com muitos anos. Tive a certeza sempre que fazia urgência na triagem mulheres e as macas finas que nem papel crepe alinhavam mãos enrugadas, que acordavam por milissegundos e esboçavam lentas uma dança, soltavam gemidos de dor, sofrimento ou simplesmente solidão. Tive-o ainda mais certeza numa noite às 5 horas da manhã quando uma senhora de cabelo caiado de branco-velho, de traços desenhados a pincel no rosto e voz ofegante, por detrás da máscara de oxigénio se agarrou à minha mão de miúda jovem interna e me pediu desculpa pelo trabalho que estava a dar aquela sua crise asmático-solitária. Sentei-me no banco plástico do lado do dela, já meio partido, frio e calculista de hospital público e deixei-me ficar de mão dada, a ouvir a sua juventude por entre suspiros sibilantes da crise de Inverno. Ouvi a sua mocidade elegante (até diria chique) e abraçei cada palavra da sua solidão, que se instalou vagarosamente com o esquecimento dos filhos. Não tinha dinheiro para a medicação, não pedia aos filhos que já tinham muitos encargos e já via pouco, e por isso me pedia desculpa pela crise fora de horas. Aguentei-a até de manhã na urgência para pelo menos aquecer o estômago com o chá e pão ainda meio-seco servido aos doentes no hospital. Sentei-a num cadeirão mais fofo e mantive-a debaixo de um sorriso audaz enquanto observava os doentes que iam e vinham. Nesse mesmo dia, senti que não podia ser médica das pessoas com muitos anos. 
Como diria a minha avó: velhos são os trapos... (E, de facto, ela nunca foi velha. Foi sim uma senhora com muitos anos.) Mas há muitos velhos por aí, muitos filhos-velhos-velhacos, que deixam ao abandono as senhoras e senhores de muitos anos que nunca lhes largaram as mãos. E, é para não ter que importar em mim  todo o espírito matosinhense que posso ainda ter, que decidi , há muito tempo, não ser médica de pessoas com muitos anos. 

Hoje é Dia do Idoso (clicar para ouvir), traduzindo das pessoas com muitos anos...
Nos dias do Pai, da Mãe, dos Namorados, compram-se presentes e dão-se flores. Hoje, dêem aos vossos e não vossos senhores e senhoras com muitos anos, um beijo ou apenas não os tratem como velhos (que não são)...