Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

R-i-R

R-i-R, é não conter a felicidade nos lábios, é ter cócegas na alma, é um aperto quente com perfume a amoras no fundo da barriga.
É pé descalço na areia fria molhada. É a mão roliça e tonta que enrola no pescoço com o acordar do sol. É o perfume a caril dissolvido nas ruelas estreitas de cor. É um gole de água fresca. É uma flor do meio do caminho que vem surdina da mão para o cabelo preto. É o vento que sopra pela janela aberta do carro. É um casaco tecido por agulhas débeis ainda não esquecidas. É um retrato em papel. É o abraço inesquecivel à porta da urgência. É o perfume a flores de primavera às duas da manhã. É um colo. É um crepe enrugado com chocolate quente já derretido. É uma loucura de véspera de Natal. É o inesperado. É a gargalhada da mesa do lado na esplanada. É um bolo acabado de cozer. É um ponto de exclamação, mas também pode ser reticências. É um biquini branco a desenhar a pele chocolate. É a mão que se entrelaça a primeira vez. É uma viagem de olhos vendados. É uma surpresa. É um suspiro. É um passo trapalhão que não sabia se ia dar. É um frasco de vidro recheado de gomas pegajosas de mil cores. É deitar numa cama acabada de fazer. É uma dança de borboletas na barriga. É uma música que se solta na sala de espera.  É um bom dia ao porteiro esquecido. 
R-i-R, é um remédio gratuito. 
R-i-R, é a voz muda da alma... Riam, façam rir, sorriam, gargalhem!

Hoje é o Dia Internacional do Riso!




quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Lello, 110 anos

Levanta-se num alto bem rendilhado na rua inclinada que une a Igreja dos Clérigos à Praça da Faculdade de Ciências. Levanta-se hoje para mais um aniversário. 
É a livraria mais bonita do Mundo e é tripeira. Já foi um pouco só minha e de muito poucos que lá entravam, há uns 20 anos atrás. Era um refúgio de fim de tarde de terça-feira antes de entrar na aula do Instituto Americano agora desaparecido. Subia as escadas imponentes sempre pelo lado direito (e não se porquê) e ficava a memorizar excertos de textos, frases e dizeres que por qualquer motivo gostava. Era fácil lá entrar, sem confusão ou filas intermináveis. Os livros tinham outro encanto, alinhados desalinhadamente nas prateleiras bem altas, mas acho que durante os anos a fio em que lá entrei quase todas as semanas, não cheguei mesmo a comprar nenhum... Sabiam a história e cheiravam a papel novo. Havia-os também mais velhos, com as capas já desgastadas e eram estes que abriam os braços para lhes pegar no colo. Perdia-me horas a fio. Até acho que já me conheciam, porque o Boa Tarde passou a ser um Olá pelo senhor monárquico da caixa. 
O Porto cresceu, as ruas encheram-se de vida e a alma tripeira genuína e vivaça rejuvenesceu e, com o boom, a livraria ficou conhecida tal como eu já a conhecia: a mais bela livraria do Mundo!


Contorcido maravilhoso da escadaria escarlate


sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

1 ano passado...

1 ano. Passou 1 ano desde o último retrato a vestir a farda encardida e a envergar orgulhosamente a médica que eu era. Precisamente 1 ano desde o meu último turno de médica de cabelo negro e sapatilhas coloridas para passar a ser médica da vida real. Ao olhar o retrato, sinto uma nostalgia que dá nauseas, um aperto e uma saudade desmesuradas. Fazem-me falta as borboletas no estômago, os pedaços de tempo parados arrancados pela sirene da ambulância, os voos, os apertos abraçados dos pais, as lágrimas que engoli em seco, as mãos suadas.
Serei sempre de vidas difíceis, de meninos-doentes difíceis e de desafios difíceis.















quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Homónimas

Disseram-me para escrever porque ja não escrevia ha algum tempo e ao divagar nas redes sociais deparei-me com um bom motivo para escrever. Não a conheço bem a não ser pelas notícias da imprensa cor-de-rosa, pelos outdoors e por sermos ambas Sofia Ribeiro. Mas hoje deu-me um bom  motivo para re-escrever.
Vi o vídeo que entretanto já as más-línguas acusam de propaganda e senti cada inspiração, cada encher de ar o peito, cada pestanejo. Propaganda, o tantas, meus caros!
Senti o renascimento da esperança em cada golpada de cabelo e a bruma das ondas fez-me arrepios nos braços. Senti-a ainda mais bonita, mais miúda e mais mulher de cabeça nua. O confia que se escreve, atropela os sentidos, a alma e o coração nos últimos instantes.
Eu, que não a conheço, reconheci em si a mulher-menina que já me vi ser, por outros motivos. Sem cabelo, mas com a força que lhe vi a desenhar o contorno do rosto, tudo será mais fácil...