Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe



Sofia Ribeiro Fernandes, crónicas de uma Mãe Pediatra e de uma Pediatra Mãe


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Momentos

A vida passa-se em momentos, que raramente se esquecem ou que se carimbam num pedaço de nós. E, são esses momentos que nos fazem rir como rimos, que nos fazem viver como vivemos, que nos moldam como plasticina. 
Reparo em momentos, sempre reparei. 
Os bons e os maus. 
Os mais velozes, fugazes, de segundos e os que ficam entalados na garganta e são momentos que duram muito tempo (deixando de o ser). 
O momento em que concorri a faculdade, o momento em que entrei para o exame de especialidade, o momento em que fiz a amniocentese, o momento em que o R foi para casa a primeira vez, o momento em que vimos a nossa casa e soubemos que seria a nossa casa, o momento em que te abracei no estacionamento do hospital, o momento em que me pediste em casamento, em frente ao Atlas e debaixo de um perfume misturado de incenso, especiarias e música da cidade velha, o momento em que a S nasceu, perfeita e saudável, o momento em que rescindi o contrato no meu hospital de sempre, o momento em que fiz o primeiro transporte com a M, o momento em que casamos só porque sim e em segredo, o momento em que o R leu o piso de nossa casa, o momento em que a M mamou outra vez. Momentos bons estes, que dão arrepio na alma e fazem-me percorrer com todos os sentidos cada pedaço desses tempos. 
O momento em que me bateram no carro a primeira vez, o momento em que vi a primeira criança morrer na sala de emergência, o momento em que ouvi boatos de mim mesma, o momento em que o berço ficou vazio ao meu lado, o momento em que sozinha me disseram o mais temível dos diagnósticos do R, o momento em que tentam abortar a minha maternidade com dizeres, pareceres e inconsciências hipócritas, o momento em que tenho que deixar o pensamento voar e olhar-me do lado de fora como se se tratasse de uma experiência transcendental para ouvir incólume e serena barbaridades de quem não sabe mais do que míseros anos de vida, o momento em que fiquei doente (e que já passou), o momento em que sou mais forte que o aço. Momentos maus estes, compridos. Mas, curiosamente são estes que sei que levam para além daquilo que acho que consigo, que me tornam mais forte e que me elevam a outro nível. Construo-me em cima das agressões alheias e isso é bom. 
Guardo-os em mim e cada pedaço do que sou, traz consigo um desses pedacinhos de tempo.


Momento a três



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